São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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FHC revolucionário

OSIRIS LOPES FILHO

As recentes declarações feitas pelo presidente FHC, na Argentina, evidenciam uma drástica mudança na política penitenciária do país e a primeira significativa inflexão no compromisso liberal de atuação do governo federal.
Prometeu o presidente colocar na cadeia todos os banqueiros que forem condenados, pelo Judiciário, por fraudes no sistema financeiro.
Há uma influência lusitana nessa afirmativa, que Carlos Heitor Cony, em artigo na Folha do dia 10, identificou com propriedade com a fala típica do conselheiro Acácio, imortalizado na literatura por declarar o óbvio, com a compostura e seriedade de descoberta de verdades eternas.
Nelson Rodrigues realizou estudos profundos sobre a terrível dificuldade de se identificar o óbvio.
A obviedade da declaração presidencial deve ter sido inspirada por instância superior, que a minha formação católica indica tenha tido a graça da insuflação divina, promovida pelo Espírito Santo.
Tudo tem mudado tanto na vida de FHC, que as suas inspirações podem ter sido influenciadas pela divindade.
A frase presidencial é revolucionária. Neste país cada vez mais surrealista, fazer funcionar as instituições e cumprir a lei, irrestritamente, para todos, é revolucionário.
Revolução, no Brasil, não é derrubar a ordem jurídica existente, já destroçada pelo descumprimento permanente. É observar a lei, fazê-la eficaz.
No caso, aplicar o Código Penal, para todos, inclusive para os banqueiros. Nada de privilégio. O império agora é o da igualdade absoluta, sem distinções odiosas.
Saiu-se da toada liberal do "laissez faire, laissez passer" para a intervenção decisiva do presidente na observância da lei. Mudança para valer.
A vida penitenciária vai melhorar. Não mais pipocarão os conflitos e rebeliões de presos, decorrentes da superpopulação carcerária submetida a condições de vida subumanas. Reféns, incêndios, destruições, negociações, fugas de presos, isso em breve desaparecerá.
O Proer generoso vai chegar ao presídio. Novos investimentos, centros de cultura, celas individuais, vida tranquila, talvez até ar-refrigerado, o "come e dorme" forçado vai se tornar paradisíaco.
Os bilhões de reais destinados a recauchutar os bancos vão beneficiar os pobres das nossas prisões.
Irmanados, banqueiros criminosos e os "3Ps" (presos, pretos e pobres) vão gozar as delícias da nova penitenciária, versão mais recente do programa "Muda Brasil".

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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