São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Euforia pós-guerra fria terminou

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A realidade econômica e geopolítica global tem reservado surpresas tanto aos mais ingênuos quanto aos mais catastrofistas. O sentimento de que seria fácil encontrar uma fórmula pronta e consensual de organização econômica e social é a maior vítima dos anos 90.
Nesse contexto, não se pode perder a oportunidade de chamar a atenção para os observadores que percebem a morte do óbvio. É o caso do especialista em assuntos internacionais Henry Nau, da Universidade George Washington, que há alguns anos participou do debate sobre o eventual colapso da hegemonia norte-americana.
Nau acaba de dar uma declaração simples e precisa, um comentário ao roteiro que o presidente Clinton inicia hoje, passando por Coréia, Japão e Rússia. "A viagem marca o fim da euforia do pós-Guerra Fria", declarou. Não lembro de ter lido ou ouvido algo tão oportuno nos últimos tempos.
Segurança
Na semana passada dizíamos que o tema da segurança voltou a ser quente da agenda global. Nau insiste nessa tese, lembrando que Clinton governou desde o início com a idéia oposta, de que temas de segurança eram démodé.
Para Clinton, terminada a Guerra Fria, a agenda de segurança iria perdendo terreno para a do comércio, em especial na Ásia.
A derrota eleitoral das forças governistas na semana passada na Coréia do Sul adicionou sal às feridas abertas na região. E a escala na Rússia pode ser considerada como parte da opção de Clinton pelo papel pouco sutil de cabo eleitoral de Ieltsin, ameaçado por uma maré montante de vertentes neopopulistas de fascismo e comunismo.
Os dilemas da geopolítica russa, entretanto, que no passado faziam parte sobretudo do xadrez europeu, agora condicionam o rumo das coisas no Oriente. Do conflito territorial ainda aceso com os japoneses à milenar vizinhança imperial com a China, a anatomia do "capitalismo asiático" mostra-se a cada dia mais patológica.
Crise
Curiosamente, as duas principais fontes de esperança numa espécie de renascimento econômico, os dois principais pólos de surgimento de mercados emergentes, o Leste Europeu e o Sudeste Asiático, mostram-se hoje quase frustrantes. Nem a Índia, que parecia predestinada a substituir o México no papel de vedete, está resistindo e mergulhou numa crise política.
Em plena campanha eleitoral, Clinton está redescobrindo a importância da política externa até para consumo interno. Faz isso quando a tensão comercial com o Japão diminuiu e a economia vai bem, apesar do desemprego e da insegurança da classe média. Afinal, quantas vezes esse tipo de insegurança já não inspirou a busca de bodes externos?
A Guerra Fria acabou, é verdade. Mas a euforia ingênua num capitalismo adventício ou mesmo numa dinâmica econômica qualquer capaz de integrar a economia mundial no mesmo compasso foi, enfim, apenas isso. Euforia.

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