São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Astronauta sentiu falta de hambúrguer

PATRICIA DECIA
DE NOVA YORK

A astronauta Linda Godwin, 43, é a terceira mulher norte-americana a caminhar no espaço. No dia 27 de março, ele ficou seis hora do lado de fora da estação espacial russa Mir, a mais de 400 km da Terra.
Sua missão era afixar recipientes em vários pontos da estação para coletar amostras dos detritos que são liberados pela Mir.
Godwin era uma das cinco tripulantes do ônibus espacial americano Atlantis, que ficou uma semana conectado à estação russa. A outra mulher da tripulação, Shannon Lucid, vai ficar na Mir por cinco meses.
Godwin disse ter ficado impressionada com a vista da estação russa pelo lado de fora. Depois de uma semana em órbita, a astronauta diz só ter sentido saudade de "um banho quente e de um hambúrguer" -os astronautas não têm alimentos frescos.
Ela falou à Folha por telefone, de Houston, Texas, cidade do sul dos EUA onde está sediada a Nasa (a agência espacial americana). Leia os principais trechos da entrevista.

*
Folha - Como você foi escolhida para a missão?
Linda Godwin - Eu já estou no programa há dois anos, havia feito dois vôos com a Atlantis e me encaixava no tipo de tripulação que eles estavam procurando.
Folha - Você é formada em física. Como se tornou astronauta?
Godwin - Logo quando a Nasa começou a aceitar mulheres, eu me interessei. Foi no final dos anos 70, e eu ainda estava na universidade. Como ainda não havia me formado, não era tão competitiva quanto as outras candidatas. Acabei sendo entrevistada apenas em 1980 e, mesmo assim, não consegui o trabalho que queria. Fui mandada para o centro espacial em Houston, onde trabalhei cinco anos até ter meu pedido para ser astronauta aceito em 1985.
Folha - Sempre teve vontade de seguir a carreira?
Godwin - Eu era interessada no programa espacial quando era criança. Assisti as primeiras missões e toda a cobertura da TV, mas nunca imaginei que faria aquilo, porque eram todos homens.
Folha - A vida de astronauta impõe muitas limitações?
Godwin - Essa profissão deixa você tão ocupado quanto várias outras carreiras, exige muita dedicação, mas acho que nunca precisei abrir mão de nada por causa da carreira.
Folha - Como sua família encara seu trabalho?
Godwin - Meu marido também é astronauta, entende o que acontece. Ele e minha enteada estão acostumados.
Folha - É fácil ser casada com um astronauta?
Godwin - (risos) Não sei dizer, mas parece estar dando certo nesse caso. É um casamento especial no sentido de que dividimos nossas experiências.
Folha - Como foi o treinamento para ficar seis horas no espaço?
Godwin - Durou cerca de um ano. Passávamos muito tempo num tanque de água ou usando os trajes espaciais que vestimos do lado de fora da Mir. Foi um treinamento muito puxado, principalmente nos dois últimos meses.
Folha - Como foi a tensão quando você estava do lado de fora?
Godwin - Há sempre uma tensão muito grande, porque você quer ver o trabalho feito corretamente. Mas, em termos de segurança, eu tinha muita confiança no traje que estava usando. Tive certeza de que não teria nenhum problema com ele porque nós checamos tudo várias vezes.
Antes de sair da nave há uma série de procedimentos de checagem para ter certeza de que a pressão do traje e todos os outros sistemas estavam funcionando.
Folha - Qual era o assunto de suas conversas?
Godwin - Conversamos frequentemente entre nós e também com a tripulação e o controle na Terra. O principal assunto era o trabalho, mas tivemos tempo para comentar a paisagem que, realmente, era maravilhosa.
Folha - O que a mais impressionou na vista?
Godwin - Tudo era muito bonito. Tínhamos um ângulo privilegiado para observar a estação pelo lado de fora e também a a Atlantis no meio do espaço. É maravilhoso.
Folha - Qual foi a importância da missão?
Godwin - Fomos a terceira nave a ser acoplada à estação russa, e isso é muito importante na experiência para a construção da estação espacial internacional.
Estamos usando esse vôo como uma das principais experiências para colocar as duas estruturas (americana e russa) juntas. Além disso, há uma astronauta nossa a bordo da Mir. Aprendemos a trabalhar com os russos e vice-versa.
Folha - Qual é o principal desafio hoje para o programa espacial?
Godwin - É a nossa própria estação espacial, com outras participações internacionais. A construção será iniciada no final de 97, o que é um prazo curto. É quase uma meta cumprida, mas há outras, como chegar a Marte.
Folha - Você sentiu algum tipo de isolamento quando estava lá em cima?
Godwin - Você se sente isolado de todas as coisas domésticas. É o seu pequeno mundo particular lá em cima e por poucos dias as coisas mais importantes para você são a missão e vê-la bem sucedida.
Folha - Do que você mais sentiu falta?
Godwin - Não fiquei muito tempo, só uma semana. Mas senti falta de um banho quente e de um bom hambúrguer (risos).
Folha - O que faziam no tempo livre?
Godwin - Num vôo normal não há muito tempo livre. As únicas distrações são olhar pela janela. Nós também levamos muita música. Na estação há tempo livre de sobre. Já no ônibus espacial, é tudo muito apertado e não há tempo suficiente.
Folha - Que tipo de música você ouvia?
Godwin - Música popular. Algo que podia olhar para fora da janela e me sentir flutuando, só canções agradáveis, como o (conjunto britânico) Durutti Column.
Folha - Pessoalmente, qual foi a melhor parte da missão?
Godwin - Foi uma grande oportunidade ter conhecido por dentro e por fora a estação russa, além do contato com os tripulantes. Um deles falava um pouco de inglês, e um americano sabia russo. Pudemos nos comunicar bem.
Folha - Para a missão você teve que usar força física?
Godwin - Demanda certo esforço fazer a caminhada no espaço, porque você está dentro de um traje pressurizado. Não é difícil, só é preciso treinar bastante para aprender. O que fizemos basicamente foi deixar alguns pacotes que recolheriam partículas em volta da estação. Nossa parte foi feita, mas os experimentos ainda estão lá em cima funcionando.

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