São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Nelson Rodrigues afunda na 'bondade' global

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

"A Vida Como Ela É", episódios de cerca de dez minutos baseados em textos de Nelson Rodrigues que a Globo exibe no "Fantástico", parece uma boa notícia. Enfim algo que pode romper a chatice das noites de domingo, injetar inteligência na programação sem graça, ousar na produção.
Nelson Rodrigues é hoje uma grife de qualidade. O dramaturgo das paixões obscuras, do sexo quase pornográfico, dos tabus, empresta a qualquer coisa que leve seu nome uma aura de preciosidade. Ah... é do Nelson.
Essa grife é o que interessa à Globo na guerra de audiência das noites dominicais. Porque os dois episódios de "A Vida Como Ela É" exibidos até agora têm texto de Nelson Rodrigues, personagens de Nelson Rodrigues, mas não são Nelson Rodrigues.
Falta a pulsão primal, o impulso demolidor. As histórias podem até provocar o riso, mas não chegam a atingir a intensidade dramática que permite surgir o choque que leva à gargalhada. Os episódios tentam o caminho fácil de ler Nelson Rodrigues como um comediante de costumes.
Adaptado para a TV, o dramaturgo tornado grife não choca, não provoca, não causa nenhum incômodo. Vira autor de historinhas interessantes. Está cercado por boa direção, boas interpretações, boa produção. Submerge em tanta bondade.
A cena final do episódio de estréia é exemplar do clone de Nelson Rodrigues produzido pela Globo. O marido vai transar com a cunhada de 17 anos no banheiro. Semi-obscuridade, de onde emergem as costas e as nádegas do ator Guilherme Fontes.
O clone rodriguiano montado pela TV é bem isso: mostrar a bunda como máxima ousadia, reflexo do impulso adolescente de provocar algum tipo de choque imoral. Nelson Rodrigues para adolescentes.
Talvez uma ousadia julgada ainda exagerada. No episódio seguinte, sobre um casal enfastiado que retoma a vida sexual, motivado pela concorrência com os vizinhos, toda nudez foi castigada. Da exibição da bunda voltou-se ao simples amasso no portão.
O tratamento dado ao sexo não é a única separação entre o dramaturgo Nelson Rodrigues e grife que foi feita dele. Mas insistir nisso é exemplar, porque foi na força cega do impulso sexual que Nelson Rodrigues alicerçou seu universo dramático.

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