São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Ademir

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Leio na coluna de Genilson Gonzaga que Ademir está morrendo num hospital. Diz Genilson que a ciência nada mais pode fazer, quem pode fazer alguma coisa somos nós, rezando para que seja suave o transe que a todos nos espera.
Nos anos 40 e 50, ouvir o nome de Ademir era ouvir o nome de um deus. "Dêem-me Ademir e eu vos darei o campeonato!", disse Gentil Cardoso para o Fluminense. Ademir foi dado e Gentil deu o supercampeonato ao Fluminense. Tenho uma foto do grande craque com a bem-amada camisa branca, o escudo tricolor em relevo no peito rompedor de defesas.
Mas Ademir foi sobretudo um vascaíno, arco e flecha (que flecha!) do Expresso da Vitória que marcou a história do nosso futebol com a trajetória luminosa que somente o Santos, nos tempos de Pelé, teria outra igual.
Entre as maiores cenas que meus olhos já viram, entre as paisagens que admirei, os momentos que vivi, guardo o primeiro minuto do Brasil x México que abriu a Copa de 1950.
O Maracanã cheirando a cimento fresco, as arquibancadas úmidas da obra recente. Os canhões dando a salva de 21 tiros não conseguiam abafar o grito de 150 mil torcedores, o sol de junho iluminando o verde adolescente do gramado.
Ademir recebe de Zizinho que recebeu de Jair (que trio, meu Deus!) e, no círculo central, dá o pique que o tornou lendário.
Bola grudada aos pés, ele ganha a velocidade de um fundista de cem metros rasos. Em vão a defesa toda, atônita, investe contra ele. Na entrada da área, a bola, que se tornou um prolongamento dele, se desgruda afinal e só se torna visível quando, inchada de sol, incha as redes mexicanas.
A fumaça dos canhões dança no ar, os tiros estão na metade, o povo ainda continua gritando pelo jogo que apenas começou -e Ademir, deus máximo e ótimo, abre os braços para todos nós. Braços que agora devemos abrir para ele.

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