São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Desordem marca velório

LUCAS FIGUEIREDO
DO ENVIADO ESPECIAL

Familiares dos sem-terra mortos na última quarta-feira em confronto com a PM (Polícia Militar) tentavam identificar corpos de parentes no velório improvisado em Curionópolis (650 km ao sul de Belém) na madrugada de ontem.
Uma fila de pessoas passava entre os caixões tentando identificar parentes.
Na falta de luz, usavam velas para olhar os corpos, já em estado de decomposição. A falta de apoio das autoridades, de estrutura e o desespero dos familiares marcaram o velório.
O reconhecimento dos corpos tinha de ser feito por meio das janelas de vidro dos caixões, todos fechados. Algumas janelas estavam embaçadas, tornando impossível a identificação.
Insetos cobriam os rostos de alguns corpos, mesmo com os caixões tampados. Para chegar perto dos caixões era preciso tampar o nariz devido ao forte cheiro.
Comboio
À 0h20 de ontem, um comboio entrou em Curionópolis trazendo 18 corpos de Marabá, onde foram feitas necrópsias. O enterro estava marcado para ontem às 10h. Outro corpo seria enterrado em Marabá.
Quase 60 horas depois do massacre, só cinco dos 19 corpos haviam sido supostamente identificados. Às 2h, o tumulto era grande no galpão que serve de igreja em Curionópolis. Cerca de 300 pessoas tentavam entrar para ver os corpos.
Lideranças sem-terra tentavam conter os que estavam do lado de fora. Não havia espaço e iluminação suficiente. Equipes de TV cederam seus equipamentos de luz a pedido de lideranças de sem-terra.
"Não tem um promotor e um delegado, apesar de todos estarem na cidade", disse o presidente do PT do Pará, Valdir Ganzer, que liderava a operação de reconhecimento dos corpos.
Religiosos e advogados do movimento sem-terra faziam o trabalho de registrar os nomes dos mortos, após reconhecimento dos corpos pelos familiares. Duas mulheres desmaiaram. Dezenas de pessoas choravam.
Às 2h, João Pereira da Silva tentava convencer a coordenação do velório a liberar um dos corpos, que dizia ser de seu irmão Valdemir Pereira da Silva, para ser enterrado em Conceição do Araguaia, sul do Pará.
Até às 2h40 de ontem, ninguém sabia os trâmites burocráticos para liberação de corpos. "Eu não acredito", desabafou o improvisado coordenador geral dos trabalhos.
(LF)

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