São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Galbraith aponta atualidade de Keynes

OSCAR PILAGALLO
EDITOR DE ECONOMIA

A segunda morte de Keynes, para um keynesiano, não passa de humor negro monetarista.
Para John Kenneth Galbraith, o maior expoente do pensamento pós-keynesiano, a contribuição seminal do mestre -a demonstração de que o equilíbrio econômico depende da interferência do Estado- continua pertinente.
Keynes, dizem os monetaristas, teria morrido uma segunda vez depois que, nos anos 60 e 70, governos passaram a abandonar esse tipo de política que começava então a imprimir sua marca negativa nas taxas de inflação.
Galbraith, no entanto, vê limitação no monetarismo -a corrente que defende o controle do dinheiro em circulação como chave para a administração da economia. Não se trata, em sua opinião, de instrumento capaz de, se necessário, reverter a rota da recessão. Para isso, só mesmo aumentando o gasto público, com a consequente elevação dos impostos e dos déficits orçamentários para financiá-lo.
"O keynesianismo continuará a ser parte dominante da construção e do pensamento econômicos", diz Galbraith, que conheceu Keynes durante a 2ª Guerra Mundial, quando chefiava o gabinete de controle de preços nos EUA.
Aposentado há 20 anos como professor de Economia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Galbraith, 87, nunca parou de produzir. Autor de 30 livros, ele lança simultaneamente neste mês, no Brasil e nos EUA, "A Sociedade Justa - Uma Perspectiva Humana" (Editora Campus, 156 págs, R$ 19,50).
Americano nascido no Canadá, Galbraith é democrata e militante. Em ano eleitoral nos Estados Unidos, ele não perde a oportunidade e termina o livro conclamando o eleitorado a votar no partido.
As ligações de Galbraith com os democratas datam de sua amizade com o presidente John Kennedy, de quem foi embaixador na Índia no início dos anos 60. Nunca mais deixou de ser uma voz intelectual ouvida no partido.
Galbraith é conhecido do grande público principalmente pela série de TV "A Era da Incerteza", da BBC, de Londres, mostrada no Brasil pela TV Cultura, que ele mais tarde transformou em livro.
Os economistas lembram-se mais de "O Novo Estado Industrial", que teve alguma influência no meio acadêmico brasileiro.
Galbraith acompanha o debate no Brasil. Informado sobre a recente e polêmica defesa que o economista Rudiger Dornbusch, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), fez da necessidade de o país crescer 7% ao ano, considerou a taxa elevada. No prefácio à edição brasileira, Galbraith diz que no Brasil "não se pode duvidar do perigo da inflação".
Na semana passada, Galbraith falou à Folha, por telefone, de sua casa em Cambridge, Massachusetts (EUA), onde vive durante o ano letivo com sua mulher.
*
Folha - Cinquenta anos após a morte de Keynes, qual o seu principal legado?
John Kenneth Galbraith - Não há dúvida de que ele continua atual. Isso é notado principalmente na responsabilidade pelo comportamento da economia que hoje é atribuída ao Estado.
Antes de Keynes, acreditava-se na tendência natural ao pleno emprego e ao ritmo confiável de crescimento econômico. Depois de Keynes, tem-se como certo que essas variáveis podem ser corrigidas por meio de uma ação adequada e efetiva do Estado. O que ele fez foi uma divisão entre microeconomia e macroeconomia, dando a esta um papel relevante no funcionamento da economia moderna.
Folha - Mas o mundo não está menos keynesiano? Até o FMI, que ele ajudou a criar, está mais preocupado com a estabilização das moedas do que com o emprego.
Galbraith - Keynes foi um personagem importante na criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. O FMI, em seu estágio inicial, se posicionou contra as funções de bem-estar social do Estado. Havia um conservadorismo em suas operações, o que se revelava no conflito sobre questões sociais com governos que ajudava. Essa situação tem melhorado, mas não considero o FMI um dos seus grandes legados.
Folha - Com a globalização, em que a economia de mercado é regra, há clara hegemonia do pensamento monetarista. O keynesianismo não teria perdido importância?
Galbraith - De jeito nenhum. O que há é um viés conservador a favor da ação monetarista, que coloca a administração pública, de maneira segura, nas mãos de um banco central. Costumo dizer que a política monetária tem a influência que tem porque é -uso a palavra informalmente- "higiênica". A verdade é que, em períodos de recessão, não há alternativa a uma política que inclua mudanças fiscais e gastos públicos.
Folha - Mas são os monetaristas que estão no poder. Qual o futuro do keynesianismo?
Galbraith - O keynesianismo continuará a ser parte dominante da construção e do pensamento econômicos. Não tanto por Keynes, mas devido ao controle do processo da história. Nenhum governo pode deixar de intervir quando há desemprego em massa e onda de falências. E é desses problemas que Keynes trata.
Folha - Seria questão de tempo o pêndulo do pensamento econômico voltar ao keynesianismo?
Galbraith - Nós teremos períodos de recessão, como tivemos de especulação. Pode-se prever com segurança que o futuro será muito parecido com o passado.
Folha - Quando o mundo entrará no próximo ciclo econômico?
Galbraith - É uma questão de anos, não de meses. Mas sou um pouco cauteloso em relação a previsões, porque as pessoas sempre se lembram quando eu erro.
Folha - Hoje, embora o ciclo não seja de recessão, um dos maiores problemas em todo o mundo é o desemprego. Como combatê-lo sem pressionar demais a inflação?
Galbraith - Essa é a questão mais importante do nosso tempo. Em primeiro lugar, eu me preocuparia menos com a inflação. Estaria disposto a aceitar algum aumento nos preços para ter um maior nível de emprego.
Mas há outro problema de desemprego que precisa ser encarado logo. Nós resolvemos a questão do seguro-desemprego, mas a conta foi apresentada aos salários, o que encareceu demais a contratação. Por isso há uma tendência em se recorrer à hora extra, ao trabalho temporário e a qualquer tecnologia que reduza a folha de pagamentos. O que eu concluo é que muitos desses custos precisam ser transferidos para o governo.
Folha - O que elevaria os déficits orçamentários...
Galbraith - Para mim, isso não seria problema, da mesma maneira como não me importaria em aumentar os impostos. É um preço que a sociedade tem que pagar, e não apenas os empregadores.
Folha - O déficit é um fator de pressão inflacionária. Até que ponto ele pode ser usado para combater o desemprego?
Galbraith - A hiperinflação foi um problema em alguns países, inclusive no Brasil. Mas nos Estados Unidos e na Europa as taxas estão em torno de 3%, 4% ao ano, o que é perfeitamente tolerável.
Folha - No Brasil, a menor previsão para este ano é de 10%. É baixa o suficiente para se começar a pensar mais no crescimento?
Galbraith - O padrão do que é aceitável não é o mesmo no Brasil e nos Estados Unidos. Considerando a história de inflação no Brasil, essa projeção reflete o êxito da política econômica. Mas me preocuparia mais com o crescimento e o problema do desemprego.
Folha - O Brasil deve crescer neste ano em torno de 3%. É pouco?
Galbraith - Essa taxa é baixa para um país como o Brasil, em que o desemprego é elevado.
Folha - Rudiger Dornbusch defendeu um crescimento de 7% para o Brasil, mesmo que à custa de aumento da inflação. O que o senhor acha da proposta?
Galbraith - Acho um pouco alta. Isso colocaria forte pressão sobre os preços. Reluto em dar um número ideal, mas ficaria entre algo superior a 3% e inferior a 7%. O Brasil tem mais motivos para temer a inflação do que os EUA, e precisa ser mais cauteloso.

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