São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Amigos e amantes de Bloomsbury

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os amigos mais próximos de John Maynard Keynes, os que o chamavam de "Maynard", faziam parte daquilo que ficou conhecido na história intelectual como Grupo de Bloomsbury.
Bloomsbury era um grupo de amigos, por vezes amantes -escritores, artistas e intelectuais-, que começaram a se reunir na Londres do começo do século. Entre os "bloomsberries" mais conhecidos estiveram os romancistas Edward Morgan Forster (1879-1970) e Virginia Woolf (1882-1941), o crítico e biógrafo Lytton Strachey (1880-1932) e o próprio Keynes.
Os estudos, memórias e fofocas, sexuais e literárias, sobre o grupo tornaram-se quase um ramo do mercado editorial inglês a partir dos anos 60. Foram publicados quilos de livros bizantinos sobre o que era o grupo, quem fazia parte, seu "espírito" e sua "filosofia".
O que se pode dizer com mais certeza sobre o grupo é que ele foi resultado do encontro entre uma turma de alunos da elite intelectual da Universidade de Cambridge -Keynes, Strachey, Forster, Clive Bell, Leonard Woolf- com uma turma de irmãos órfãos dados às artes, os Stephen, sobrenome de solteira de Virginia Woolf.
Para começar pelos fatos mais simples: Bloomsbury era o nome do bairro londrino onde os quatro irmãos Stephen passaram a morar a partir de 1904, depois da morte do pai, Sir Leslie Stephen, professor de Cambridge.
A notícia da mudança de casa tem certa importância para a história do grupo. Virginia Woolf conta que, na casa de seu severo e carrancudo pai Stephen, ela e a irmã Vanessa dispunham de só um quarto, onde recebiam amigos. Em Bloomsbury, as órfãs e "desavergonhadas" Stephen, como se dizia, tinham cada uma a sua sala de estar, mais uma sala de visitas e biblioteca.
Foi para lá que, a partir de 1905, Thoby Stephen, irmão de Virginia, começou a levar seus colegas da turma de 1899 de Cambridge: Strachey, a princípio, e depois Keynes, Woolf, Forster etc.
Virginia disse que ficou encantada com o clima de discussão intelectual franca da turma e com o fato de que os amigos de seu irmão não reparavam em como ela e Vanessa estavam vestidas. Não eram "finos" como os demais rapazes da classe média alta inglesa, criticavam os argumentos das moças com rudeza intelectual.
Apesar do encanto, ela conta que "nunca tinha visto rapazes tão encardidos, tão sem esplendor físico, tão esmolambados".
Para Virginia, Maynard (Keynes) era "muito feroz, capaz de destruir com suas garras qualquer argumento que lhe aparecesse no caminho". Strachey, muito culto, tinha quadros franceses no quarto e "era tão alto e tão magro que sua coxa era da grossura do braço de Thoby". Leonard, futuro marido da escritora, era "judeu misantropo, exaltado e trêmulo".
Esses rapazes, segundo Virginia, eram a essência de Cambridge: "Tão capazes, tão honestos, tão feios, tão secos". Eram um pouco mais do que isso. Pertenciam à mais exclusiva das sociedades intelectuais secretas da universidade -"Os Apóstolos", formalmente "Sociedade de Conversazione de Cambridge", criada em 1820.
Eram uma dúzia por geração universitária. Da época de Keynes faziam parte ele próprio, Forster (que escreveu "Howards End"), Strachey e Leonard Woolf, que se casaria com Virginia em 1912.
O grupo de Cambridge se reunia à meia-noite de sábado para discutir. O sábado foi o dia escolhido para manter afastados os outros estudantes, que saíam para a baderna. Clive Bell (1881-1964), crítico de arte e literatura que se casaria com Vanessa em 1907, diz que a "Sociedade da Meia-Noite" foi o núcleo de Bloomsbury. Bell, com outro membro do grupo, Roger Fry, promoveu na Inglaterra o pós-impressionismo francês. Em suas memórias, escreveu que Bloomsbury era uma invenção de jornalistas: "Eles partilhavam o gosto pela discussão em busca da verdade e um desprezo pela maneira tradicional de pensar e de sentir, desprezo pela moral convencional, vitoriana, em outras palavras... Mas o mesmo não poderia ser dito de muitos grupos de jovens e de vanguardistas, em muitas épocas e em muitos países?".
Vários dos autores que estudaram o grupo diziam que o "pensamento" de Bloomsbury era influenciado pelos "Principia Ethica" (1903) do filósofo de Cambridge G. E. Moore.
Na descrição aguada que fez dessa influência filosófica, Quentin Bell, filho de Vanessa e Clive, disse que ela consistia na "valorização não dos estados de espírito que são associados aos do herói ou do santo, mas sim dos que estão associados à contemplação da beleza, do amor e da verdade".
Piero Mini, num estudo sobre Keynes e Bloomsbury, diz que a filosofia de Moore, em sua valorização da qualidade dos relacionamentos pessoais, serviu para membros do grupo justificarem seu homossexualismo. Strachey, o psicologista biógrafo vitoriano, desenhou um triângulo amoroso com o pintor Duncan Grant, também de Bloomsbury, e Keynes.
Em suas memórias, o filósofo Bertrand Russell, que com Moore fazia parte do grupo dos "Apóstolos" da geração anterior a Bloomsbury, escreveu que as relações homossexuais tornaram-se comuns na época de Keynes e Strachey.
Segundo Virginia, Grant, o amor de Keynes, não tinha um tostão. Dividia um ateliê com uma velha faxineira bêbada e um clérigo que assustava as moças na rua fazendo caretas. Os amigos lhe emprestavam roupas, e ele as vivia puxando, pois eram maiores do que ele. Usava um apartamento de Keynes.
Virginia conta que, por volta de 1910, houve uma "virada" em direção ao sexo e mundanismo no grupo: "Discutíamos sobre copulação com a mesma animação e abertura com que havíamos discutido sobre a natureza do bem".
Virginia lembra o dia em que ela e o cunhado Clive discutiam acirradamente, enquanto Vanessa estava sentada, calada. Strachey entra na sala, aponta um dedo para uma mancha no vestido de Vanessa e pergunta: "Esperma?".
O cunhado de Bertrand Russell dizia que "Keynes copulava com Vanessa no sofá da sala de estar, as mulheres eram desavergonhadas e os rapazes não valiam nada".
O grupo sobreviveu mais ou menos até o início dos anos 40. A morte de Strachey, em 1932, começou a desagregá-lo. O suicídio de Virginia, em 1941, o enterrou.

Texto Anterior: CRONOLOGIA
Próximo Texto: Galbraith aponta atualidade de Keynes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.