São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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A fragrância da estratégia frustrada

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

O autor bolou uma história em que se misturariam poder, dinheiro, amor, sexo, suspense, mortes, espionagem, extravagâncias e glamour (ufa!). Nada mais do que entretenimento.
A editora entusiasmou-se, investiu numa capa chamativa, da qual emerge, entre outras atrações, uma fragrância agradável quando se raspa a ilustração do frasco de perfume estampado ali.
Entre a intenção e a embalagem, no entanto, haveria de existir a obra, o miolo, o texto -e aí começam as complicações de "Tanatos - No Limiar da Loucura", romance de estréia do paulistano André Charak, 32.
O enredo é o seguinte: policial experiente e bem-intencionado, às voltas com a elucidação de uma série de assassinatos, envolve-se paralelamente na apuração de irregularidades dentro de uma empresa, a pedido da sua própria presidenta, pela qual ele se apaixona. Quem será o assassino? O que está ocorrendo na organização, cujo produto principal, o perfume "Tanatos", alude pouco sutilmente ao chamado deus da morte? Há relação entre as duas coisas?
Para um enredo com propensão a thriller, contendo nomes de rua, personalidades e edifícios verdadeiros, como neste caso, pelo menos três ingredientes são básicos: verossimilhança ou coerência, suspense e linguagem envolvente. Charak, porém, acaba por falhar nos três.
A linguagem adotada pelo autor é primária, insossa, nivelada por baixo. Está aquém do literário. Há sacadas infantis, que chegam a lembrar os rompantes narrativos de um repórter como Gil Gomes, por exemplo: "Não hesitou em entrar na sala", ou "Mas desta vez, como nunca acontecera, tudo seria diferente", ou "O nome Zimmer não lhe saía da cabeça...", "Estar próximo das duas seria uma questão de tempo... Muito menos tempo do que ele poderia imaginar", "Eva era, sem sombra de dúvida, um enorme desafio", para citar apenas alguns exemplos entre vários outros presentes no livro.
O suspense, por sua vez, ingrediente talvez o mais importante, fica meio capenga, já que mesmo um leitor pouco habituado a ler romances policiais percebe quem é o assassino já na metade do livro.
Já a verossimilhança, ou ao menos a coerência, é abalada no momento em que a presidenta, Eva Miller, contrata o policial Mário Ventura, a partir de um encontro casual, abrindo os problemas da empresa de imediato para ele; ou ainda no próprio personagem de Ventura, o mocinho em luta contra o Mal, vitimado pela paixão, sobre quem o narrador afirma: "...o fracasso o fazia repensar em tudo, inclusive na própria condição de servidor da lei".
Por outro lado, a tentativa do autor de elucidar, por meio da reprodução de sessões de hipnose, o que pode levar uma pessoa a se tornar um homicida, fica muito na superfície, o chamado "fundo psicológico" adquire um tom próximo do folclórico.
Duas cenas do livro estão bem trabalhadas e indicam que uma dedicação maior de Charak poderia enriquecer muito mais o seu romance: a da violência sofrida pelos pais de Eva Miller, à qual esta assiste quando menina, e a armação feita por Ventura, já no final, na tentativa de anular o instinto de morte do assassino. É pouco para 255 páginas.
Resenhistas não são, ou não deveriam ser, leões-de-chácara, tampouco têm mandato para atuar assim, já que Literatura, felizmente, não é território fechado a quem quer que seja. Mas, sabendo ser Charak um profissional de Estratégia e Marketing -como nos revela a apresentação feita pela editora-, vale observar que o resultado de seu primeiro empreendimento autoral ficaria mais conveniente para os leitores se ele tivesse se distanciado mentalmente desse seu ofício diário ao escrever "Tanatos".
Caso contrário, como acabou acontecendo, nós, os leitores, somos aquinhoados pelo autor com sistemas mercadológicos óbvios de persuasão, temos nossa (maior ou menor) inteligência ofendida, ficamos só na embalagem. Ganhamos o perfume de presente, é verdade, mas perdemos a chance de apreciar uma essência.

A OBRA
Tanatos - No Limiar da Loucura - André Charak. Geração Editorial (r. Cardoso de Almeida, 2.188, São Paulo, CEP 01251-000, tel. 011/872-0984). 256 págs. R$ 22,00

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