São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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O ÚLTIMO PROFETA

Importante nos profetas, mais que o acerto de suas profecias, é a necessidade que deles têm as sociedades.
O Mais! de hoje celebra o cinquentenário da morte de Keynes, o último profeta da economia. O lorde inglês foi profeta nesse sentido de porta-voz do espírito de uma época e das necessidades de uma sociedade.
Que espírito de época foi esse? Na música, coincidiu com a emergência do dodecafonismo e do atonalismo, quebrando as regras da harmonia ocidental. Na pintura, na literatura, na filosofia e na política as regras também se esboroavam, enquanto os impérios anglo-saxões do século 19 estertoravam. Nesse mundo sem regras nem hegemonia, o desemprego mostrava-se, para usar uma expressão recente, "estrutural".
Keynes, num mundo e numa economia em decadência, falava da possibilidade de construir um novo mundo. Que afinal foi construído, mas não sem que antes a velha ordem sucumbisse sob as trevas fumegantes de duas grandes guerras mundiais.
Keynes não viu a terra prometida. Morreu em 1946, imediatamente depois de terminada a Segunda Guerra.
Tivesse vivido e presenciaria a transformação de suas idéias em modelos e receitas praticamente universais: o "keynesianismo" tornou-se a pedra angular do saber econômico convencional, apegado à confiança no uso de políticas econômicas para alcançar o pleno emprego.
Estavam certas, então, suas profecias? Não é o que parece, a julgar pelas novas desordens e crises que abalaram a economia mundial a partir dos anos 60. Voltaram o desemprego galopante, a inflação crônica, a crise fiscal e a ruptura de um padrão monetário global num mundo que parecia organizado segundo inabaláveis regras keynesianas.
Nesses últimos anos ninguém mais se arrisca a ser profeta. Resta saber se as sociedades globalizadas poderão viver, não sem profecias, mas sem ao menos algumas novas esperanças.

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