São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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HUGH GRANT

ELAINE GUERINI

O ator, que está filmando "Extreme Measures" no Canadá, revela qoue o pesadelo Divine Brown ainda não acabou

"É insuportável. Não temos paz em nossa própria casa"
"Quando Liz faz caretas, não estou me saindo bem"
Nove meses. Hugh Grant diz que ainda não se recuperou. Sua vida continua assombrada por aquela noite em que resolveu avançar com sua BMW branca pelo sinal vermelho de Divine Brown, aceso na Sunset Boulevard, em Los Angeles.
"Tudo o que eu quero é espaço. Não imaginava que a minha vida poderia virar um pesadelo", lamenta-se o ator inglês, em entrevista exclusiva à Revista, concedida no set de seu novo filme, "Extreme Measures", rodado atualmente em Toronto, no Canadá.
Sentado no amplo hall de entrada de um castelo em estilo medieval, onde se realizam parte das filmagens, o ator de 35 anos parece acanhado. Mostra-se pouco à vontade para falar sobre a vida pessoal. Evita encarar a repórter e, sem saber direito o que fazer, chega a tirar os sapatos e esticar os dedos dos pés durante a entrevista.
"Hoje, com toda a mídia, toda a velocidade e o volume das comunicações, você não pode fazer mais nada", reclama, com ar de quem se arrependeu de ter caído em tentação. Seu possível consolo: saber que outros ricos e famosos do mundo do cinema também sofrem desse mal moderno, a falta de privacidade.
Hollywood
"Astros e estrelas de Hollywood não passam de pessoas tensas, que estão sempre fugindo da imprensa e preocupadas com a repercussão do próximo trabalho. Ninguém passa mais o dia inteiro na piscina, bebendo e se divertindo", conta, sempre fazendo pausas antes de responder.
O ator fala com nostalgia de uma época que não conheceu. "Outro dia, comprei um livro sobre Hollywood dos anos 30 e percebi que os astros daquela época é que levavam uma vida glamourosa. Faziam festas e se divertiam. O público queria vê-los e conhecê-los, mas a imprensa não conseguia pegá-los."
Durante a entrevista, ele permanece com o figurino do seu novo personagem, Guy Luthan -médico inglês que comanda uma sala de emergência de um hospital nova-iorquino. Veste calça preta, camisa azul, blazer preto e gravata vinho.
Sotaque
Preserva também o ar desprotegido que o reveste na tela. O galã "baby face" é exatamente aquilo que se vê nos filmes. Cabelo cuidadosamente desarrumado (fixado com laquê), olhos contornados por ruguinhas, dentes desalinhados.
O sotaque não poderia ser mais inglês e até esnobe -se a Enciclopédia Britânica falasse, provavelmente teria a sua voz.
O ligeiro nervosismo da tela é o mesmo. Após calçar os sapatos, Hugh rouba um "roll" de uma cestinha de pães e começa a mastigar enquanto dá mais detalhes sobre sua "dura vida".
"Estou ficando cada vez mais parecido com o meu pai, uma pessoa pouco sociável", queixa-se o ator, que vem de uma família de classe média londrina. O pai vende tapetes e carpetes, e a mãe é professora.
"Só quero ficar sozinho"
Ele fica mais à vontade vivendo um personagem do que o próprio, esforçado, Hugh Grant. "Fora do trabalho, nunca quero falar ou estar com alguém. Só quero ficar sozinho ou com a Liz", conta o ator, referindo-se à modelo inglesa Elisabeth Hurley, sua namorada de oito anos -que ameaçou romper tudo depois do escândalo com Divine Brown.
Até dos amigos diz ter se afastado: "É triste. Não os vejo mais". Isso acontece, em parte, porque Hugh simplesmente se recusa a voltar a morar na Inglaterra. "Pelo menos, por enquanto."
Para evitar o cerco dos jornais tablóides locais, prefere viver com a namorada na impessoalidade de hotéis nos EUA, principalmente em Nova York, do que voltar para a mansão de West Littleton, no oeste do país, ou para a confortável casa em Chelsea, um dos bairros mais caros de Londres.
Ressentidos, os amigos atacam. Revelam que Hugh não é o "Mr. Nice Guy" dos velhos e bons tempos da universidade e que o flagrante com a prostituta o deixou "ultra-sensível".
Colegas da aristocrática Oxford -onde o ator se formou em Letras- lembram que Hugh era o primeiro a fazer piadas sobre si mesmo e que adorava beber e se divertir em festas com seus camaradas. Coisas que ele, aliás, já vinha deixando de fazer por conta do sucesso.
Michael Hoffman, ex-colega de universidade e diretor de seu filme de estréia em 82 ("Privileged"), lembra que o incidente em Los Angeles deu um empurrãozinho na carreira do ator -o que, em parte, justificaria sua falta de tempo para os amigos. Ele não atende mais o telefone e nem responde a convites de casamentos.
"Ninguém sabe o que nós enfrentamos na Inglaterra. Gostaríamos de viver em nosso país, com nossa família e amigos, mas não é possível", revolta-se Liz -a mulher dos "seios mais bonitos" da Inglaterra, segundo Hugh.
Jornais
Os dois se conheceram durante as filmagens de "Remando al Viento" (88), na Espanha. "A imprensa inglesa é muito sarcástica. Os jornalistas ficam o tempo todo atrás de nós. É insuportável. Não temos paz em nossa própria casa", reclama a modelo de 30 anos.
Hugh e Liz formam atualmente o único casal capaz de desbancar a família real da capa dos tablóides ingleses. "Primeiro, eles te colocam lá em cima. Falam maravilhas de você. Depois, têm necessidade de te destruir", desabafa Hugh.
"Nunca vou entender por que eles me odeiam tanto", diz o ator, lembrando de como foi "atacado" pela imprensa por conta da cena de sexo oral dentro do carro: "É impossível não ler os jornais. Mesmo quando você tenta, sempre aparece alguém comentando 'você viu isso? Viu o que eles falaram de você.' É muito desagradável".
Ironicamente, Hugh só ganhou popularidade entre os ingleses depois de 13 anos de carreira, ao conquistar os americanos com "Quatro Casamentos e um Funeral". A comédia romântica foi indicada ao Oscar de melhor filme no ano passado e transformou o ator em um dos ingleses de maior sucesso nos EUA.
Bonita, mas não tão estonteante quanto nas capas de revista, Liz nunca se destacou como atriz de cinema -atuou em filmes insignificantes como "Passageiro 57". Só ganhou fama ao fechar no último ano um contrato milionário (suspeita-se de US$ 8 milhões) como modelo exclusiva da Estée Lauder, uma das mais renomandas indústrias de cosméticos do mundo.
"Hoje, com toda a imprensa em cima de nós, nós temos muito mais oportunidades profissionais", diz a modelo. "Se fossemos pessoas materialistas, o que não é bem o caso, poderíamos tirar vantagem da situação", afirma.
O romance continua...
No auge da confusão, a imprensa inglesa bem que torceu pelo rompimento do belo casal. Chegaram a divulgar que Liz já estava namorando outro, o amigo e empresário bem-sucedido Henry Brocklehurst -foi na porta dele que ela bateu logo depois do escândalo.
A relação, no entanto, continua firme. Entre os ingleses famosos Hugh e Liz formam um dos poucos casais que ainda podem ser vistos juntos. É só lembrar dos fiascos na família real entre Diana e Charles e Sarah e Edward, além de plebeus ilustres como Emma Thompson e Kenneth Branagh.
O ator e a modelo fazem questão de demostrar que o relacionamento não se abalou depois "daquela noite". Em público, rasgam seda: "Ela é perfeita", diz ele. "Hugh é um sucesso", rebate ela.
O casal decidiu resolver as diferenças de uma forma positiva: trabalhando juntos. Como eles já haviam montado a produtora Simian Films antes do escândalo, mergulharam de cabeça no primeiro projeto. "Extreme Measures" é um thriller que está sendo rodado em Toronto e será lançado pela Columbia TriStar no final do ano.
"Produto vendável"
Hugh entra com o que tem de melhor: a beleza e a pose aristocrática. O ator vive o personagem principal e contracena com ninguém menos que o veterano Gene Hackman (que atuou com Sharon Stone, em "Rápida e Mortal", e com Tom Cruise, em "A Firma").
Liz é a produtora do filme. Mesmo sem ter experiência na função, ela prefere trabalhar nos bastidores do que dividir a atenção da câmera com o parceiro. "Hugh é um produto mais vendável", afirma, com ar profissional.
O valor do cachê confirma que o escândalo não prejudicou a cotação do astro em Hollywood -a indústria não seria boba a ponto de dispensar esse chamariz de bilheteria.
Para estrelar o novo filme, dirigido pelo inglês Michael Apted (de "Nell" e "Na Montanha dos Gorilas"), Hugh receberá US$ 6,2 milhões -o que daria para pagar 5.254 vezes a multa de US$ 1.180 a que foi condenado pela Justiça de Los Angeles por "conduta lasciva".
Liz levará apenas a metade pela produção -US$ 3,1 milhões. Ela ganha menos, mas, em público, parece dar as cartas. Nas filmagens de "Extreme Measures", o casal troca olhares o tempo todo. "Quando a vejo fazendo caretas, sei que não estou me saindo muito bem. Procuro melhorar", confessa Hugh.
O ator percebe que a declaração pode ser interpretada como atitude de dependência e logo emenda: "É bom trabalhar com quem você se relaciona afetivamente. Eu posso acordá-la no meio da noite para discutir alguma coisa."
"Mas nós também brigamos por causa do filme. Eu a chateio o tempo todo com detalhes de produção. Não sei como ela me aguenta", completa, tentando esconder um sorriso.
Símbolo sexual?
Com medo de ter o novo filme confundido com um projeto de pura vaidade, o ator avisa: "Não vou aparecer com o peito nu, com o corpo coberto de óleo", diz, agora sim, rindo -em um dos raros momentos em que isso acontece.
O "produto vendável" -que a atriz inglesa Emma Thompson já definiu como um homem "tão lindo que chega a ser repelente"- nega o rótulo de símbolo sexual: "Se fosse o caso, eu ficaria satisfeito. Quem não ficaria?"
O sucesso que esse inglês faz com as mulheres é, aliás, uma coisa que poucos entendem, principalmente os homens. Hugh está longe de se encaixar no padrão de galã que predomina em Hollywood.
Apesar do par de olhos azuis, ele não tem o "sex appeal" latino de Antonio Banderas. Também não é sexy como Tom Cruise e nem faz a linha bonitão-revoltado que caracteriza Brad Pitt.
Então, o que é que ele tem para deixaá-las com vontade de levá-lo para casa? Isso nem Hugh Grant sabe. Ou, mais uma vez, prefere fingir que não sabe. "O público pensa que eu sou romântico como meus personagens. Mas não sou tão passivo assim." Pode não parecer, mas Hugh sabe o que quer. Pergunte a Divine Brown.

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