São Paulo, sábado, 27 de abril de 1996
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Marginalizados e excluídos

RUBENS RICUPERO

Como evitar que uma economia cada vez mais globalizada aumente o número de excluídos e marginalizados, em vez de incorporar a todos, como é sua vocação?
É esse o tema central da agenda da 9ª Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), que, com a presença do presidente Mandela e do secretário-geral da ONU, doutor Boutros Boutros-Ghali, se abre neste sábado na África do Sul.
À primeira vista, parece uma contradição em termos falar da globalização como causa agravante da marginalização já existente no mundo.
Afinal, a globalização é a fase final de um processo iniciado cinco séculos atrás com as grandes viagens ibéricas de abertura das rotas marítimas das Índias e das Américas.
Iniciou-se, assim, um processo que, bem ou mal, pôs fim ao isolamento e ao desconhecimento mútuo em que até então se desenvolviam civilizações dos diversos ramos da humanidade.
O que hoje ocorre debaixo dos nossos olhos, após a superação da última divisão ideológica da Guerra Fria, é a unificação do espaço econômico e dos mercados em escala planetária, atraindo e incorporando áreas até então isoladas, como foram a China de Mao, o Vietnã, os antigos socialistas europeus.
Ora, se a lógica interna do processo é abranger e integrar todos os que estavam do lado de fora, não será absurdo temer que ele aumente a exclusão?
Infelizmente, a contradição é apenas aparente e a explicação, tanto do potencial criador como do destrutivo desse fenômeno, se encontra no mesmo elemento: a competição.
De fato, ao eliminar ou reduzir barreiras regionais ou nacionais à livre circulação de mercadorias, investimentos, fluxos financeiros, a globalização suprime, ao mesmo tempo, os mecanismos que anteriormente inibiam a competição ou a mantinham dentro de limites toleráveis.
É claro que esse controle se pagava ao preço de menor eficiência e custos mais altos. Na medida em que agora se exacerba a competição de todos contra todos, podem-se maximizar os ganhos de eficiência, mas também se maximizam os danos e as perdas.
Para esse problema, só pode haver duas respostas racionais.
A primeira é reconhecer que, como todo jogo, a competição necessita de regras claras e justas e de árbitros para aplicá-las. Essas regras têm de levar em conta as diferenças e as desigualdades entre países e dar tratamento favorável aos mais vulneráveis.
A arbitragem só pode ser bem exercida por um Estado eficiente e forte, capaz de regular sem abafar a economia, e, no plano internacional, por organizações com poder e autoridade.
A segunda resposta, por sua vez, só poderá ser proporcionada pela construção de uma estrutura de solidariedade em complemento aos mecanismos de competição.
Solidariedade, aqui, não é sinônimo de caridade ou assistencialismo. Trata-se simplesmente de criar condições para que todos no interior das sociedades ricas (desempregados, por exemplo) ou países marginalizados participem da competição em termos menos assimétricos do que é hoje o caso.
Isso só poderá ser feito não contrariando os impulsos naturais da economia de mercado, mas usando-os com senso de responsabilidade social.
Em relação às economias marginalizadas, é preciso ajudá-las, com recursos e apoio técnico, a criar as bases para atrair investimentos, diversificar a produção e tornar-se capazes de exportar.
Afinal -é preciso não esquecer-, sem solidariedade, a aliança dos excluídos de dentro com os marginalizados de fora acabará por negar à globalização a possibilidade de cumprir sua promessa, que é a unificação de um espaço destinado não apenas ao ganho material, mas sobretudo à realização plena do potencial de cada homem e de todas as sociedades.

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