São Paulo, sábado, 27 de abril de 1996
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A realidade dos trens urbanos de São Paulo

TELMO GIOLITO PORTO

Pode-se imaginar existir alguém que prefira trabalhar numa indústria que produz com falhas? A lógica diz que não. Tal conclusão deve estar presente quando nos interessamos pelo transporte urbano sobre trilhos em São Paulo.
Em primeiro lugar, é preciso constatar que a idade é um fator inexorável no desempenho dos sistemas, organismos vivos ou trens. Para neutralizar parte de suas consequências, faz-se manutenção; no entanto, há limitações provocadas pela obsolescência de componentes e tecnologia.
Por melhor que uma família tenha mantido sua TV com válvulas de 30 anos atrás, hoje tem enorme dificuldade para obter peças de reposição e, mesmo quando consegue, permanece com tela em preto e branco e sem controle remoto.
Assim, é imperioso investir em modernização ou substituição de equipamentos.
A malha Noroeste/Sudeste e Leste do trem metropolitano de São Paulo opera instalações de eletrificação com mais de 40 anos e de sinalização com mais de 25.
A posição da rede aérea de alimentação elétrica varia com a temperatura, o que favorece rompimentos; os vãos entre estruturas metálicas não são padronizados, tornando a manutenção artesanal, e nas curvas o colapso de uma via interrompe o tráfego também na via adjacente.
A dificuldade em obter sobressalentes para a sinalização resulta em interrupções da operação, para garantir a segurança.
São operados nove tipos diferentes de trens, com idade média de quase 20 anos, o que nos permite aquilatar o esforço para obter peças e treinar mão-de-obra.
Muitos pensam que não houve investimento no período em que o sistema ferroviário urbano de São Paulo esteve sob o comando do governo federal. Houve e foi significativo em valor absoluto; contudo, menor do que seria necessário.
Tal diferença entre meios foi e é agravada pela pressão da demanda. Em 20 anos, o transporte mais do que duplicou.
Em 1985, pesquisa verificou que, para cada dois passageiros que viajavam, mais um desejava viajar e o sistema não tinha capacidade. O crescimento da população metropolitana nos faz crer que essa relação aumentou.
Em 1988, a nova Constituição alterou a partição de receitas e responsabilidades da União e tornou competência estadual o transporte coletivo ferroviário.
Obteve-se do Banco Mundial (Bird) um empréstimo para "normalização" do sistema; o chamado Programa Bird 1 iniciou-se em 1993, com prazo de três anos, e a transferência da operadora federal ocorreu em 1994.
Em 1989, as contratações de pessoal foram suspensas, havendo expectativa de retomada apenas neste ano de 1996. Numa região econômica como São Paulo, sete anos sem contratar significam grande perda de recursos humanos, por aposentadoria, morte etc., mas principalmente em razão da mobilidade de emprego.
A transição entre governos refletiu-se na própria alocação orçamentária e na necessidade de adaptar normas e procedimentos administrativos, provocando descontinuidade de suprimentos.
Uma ferrovia, em essência, é uma fábrica de um bem não-estocável -transporte- e, como tal, necessita de fatores em sua função de produção. Mão-de-obra, material e capital são substituíveis entre si num determinado limite, mas nos trens urbanos foram todos escassos nos últimos anos.
A essa situação somou-se o enfraquecimento da indústria ferroviária no Brasil, que afeta o prazo de implantação do programa do Bird e as iniciativas da CPTM para recuperar o sistema.
Um conjunto variado de causas -inconstância de encomendas, frustração de planos de investimento, algum caso de gestão empresarial equivocada, custo do capital etc.- resultou em redução do setor.
O desaparecimento de parceiros potenciais prejudica ainda mais a operadora atual, considerando-se que há duas décadas já se utilizava a terceirização como forma de complementar capacidade de trabalho e controlar custos face à localização no maior pólo econômico e industrial do país.
Nos últimos anos, foi uma vitória evitar que um desbalanceamento nos insumos dados a cada um dos subsistemas na ferrovia metropolitana -trens, sinalização, alimentação elétrica, via etc.- ocasionasse colapso da malha como um todo.
Os problemas nos autorizam a ser pessimistas? Não! Em 1996, haverá reposição de mão-de-obra. Procura-se equacionar a situação da indústria ferroviária e dos fornecedores alternativos, de modo a conseguir terminar o programa do Bird, recuperar composições imobilizadas que exigem reparo geral e adquirir trens.
A CPTM possui importante extensão de linhas nas quatro direções, vantagem que poucas outras metrópoles têm. O potencial da rede permitirá transportar mais de 3 milhões de pessoas por dia.
A estabilidade econômica resultando em menores margens financeiras e mais confiáveis análises de investimento, o esgotamento dos ganhos da otimização da gestão nas indústrias tradicionais e a necessidade de expandir a fronteira dos serviços como espaço de sobrevivência empresarial tornam a ferrovia foco de interesse para o capital privado.

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