São Paulo, sábado, 27 de abril de 1996
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INÉRCIA

Um dos pontos altos da discussão econômica brasileira foi a consagração do conceito de "inflação inercial". Em poucas palavras, a teoria repousava sobre os efeitos deletérios da indexação, ou seja, da correção monetária sobre os preços em geral.
Na prática, a principal conclusão era que nenhuma política de estabilização teria sucesso se, em primeiro lugar, não se atacasse o sistema de correção automática de preços e salários, a "indexação". Era esse sistema que tornava a inflação causa de si mesma e, portanto, inercial.
Os críticos diziam que nenhuma desindexação teria resultado sem um ajuste fiscal prévio. Tanto os "inercialistas" reconheciam esse ponto, depois de vários planos fracassados, que antes do Plano Real fizeram de tudo para assegurar um mínimo de condições de ajuste fiscal. Criaram o Fundo Social de Emergência e apoiaram-se no IPMF, por exemplo, como preliminares mínimas para que a desindexação tivesse garantias.
A expectativa nos mercados financeiros, tanto domésticos quanto externos, foi sempre de que a estabilização de preços criaria as condições políticas para ajustes mais definitivos na estrutura do Estado, por meio de privatizações, reformas tributária, previdenciária e administrativa, desmonte do sistema de bancos públicos (especialmente os estaduais), fiscalização dos fundos de previdência complementar das empresas estatais, redução da renúncia fiscal, realismo tarifário e, por fim, mas não com menos importância, saneamento das relações entre Executivo e Legislativo, por meio de uma reforma política capaz de minimizar o fisiologismo, o casuísmo e o empreguismo.
Passados dois anos desde a engenhosa introdução da URV na economia, entretanto, é forçoso reconhecer: nada foi feito. Pior, são cada vez mais numerosas as evidências de que muitos dos problemas que se pensava solucionar com apoio político estão, ao contrário, piorando exatamente pela incapacidade de o governo impor-se politicamente.
A inércia dos preços foi substituída pela inércia das instituições. Cresce portanto o ceticismo quanto à saúde dos fundamentos que os próprios "inercialistas" sempre reconheceram como necessários.

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