São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Prende-se primeiro para depois apurar, diz Cortes

FRANCISCO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

O tenente PM Marcelo Ferreira Cortes, 27, preso há quase três anos como um dos acusados pela chacina da Candelária, passou a viver a expectativa de ser solto desde que Nélson Oliveira dos Santos Cunha e Marcos Vinícius Emmanuel confessaram participação no crime e o inocentaram.
Em entrevista à Folha, Cortes disse que sua acusação, com base em reconhecimento feito pelo sobrevivente da chacina Wagner dos Santos, foi um ato de precipitação do governo do Rio, pressionado pelas ONGs (organizações não- governamentais). "Eles queriam dar uma resposta imediata à sociedade, daí, o erro", afirmou.
*
Folha - Com as confissões dos soldados Cunha e Emmanuel, o senhor acha que sua libertação se tornou irreversível?
Marcelo Cortes - Esses dois depoimentos foram consequências de um trabalho que já estava sendo levantado há muito tempo.
São depoimentos que mostram a verdade do que está acontecendo. Eu sinto que a justiça está sendo feita.
Folha - Por que o senhor acha que Wagner não só o reconheceu na época como manteve o reconhecimento agora, três anos depois?
Cortes - Eu auxiliei no socorro dele. Eu recordo como se fosse hoje que Wagner estava caído no chão e havia muito sangue vindo de parte do rosto dele e entrando pela boca.
Eu virei o rosto para que o sangue não o sufocasse.
Folha - Ele estava consciente?
Cortes - Aparentemente sim. Ele ficava me olhando fixamente e tentava falar alguma coisa, mas eu não conseguia entender o que era. Eu então orientava para ele respirar com lentidão e dizia que o socorro estava a caminho.
Folha - O senhor acha então que ele fixou sua imagem e fez confusão na hora do reconhecimento?
Cortes - Eu lembro claramente que após eu ter virado seu rosto, ele ficou parado, me olhando fixamente por um bom período, porque o carro dos Bombeiros demorou uns 40 minutos para chegar.
Folha - Como foi aquela noite?
Cortes - Eu larguei tarde do trabalho, sete e pouca, troquei de roupa e, mais tarde, tomei umas duas cervejas com um colega, tenente Albuquerque.
Em seguida, passamos em um banco 24 horas e voltamos para o quartel, pouco depois da meia-noite. Por volta das 5h fui com o tenente Luiz Henrique para a Candelária ver o que havia ocorrido lá.
Folha - Como o senhor vê as suspeitas de que os depoimentos de Cunha e Emmanuel tiveram o objetivo de inocentá-lo?
Cortes - Isso é totalmente improvável. Eu não os conhecia.
Folha - O senhor acha que as pressões das organizações não-governamentais contribuíram para o que o senhor fosse acusado?
Cortes - Claro, claro. Eles queriam dar uma resposta imediata à sociedade. Daí, o erro. Se prende primeiro para depois apurar.

Texto Anterior: Suspeitos podem ser soltos em dez dias
Próximo Texto: Novo julgamento de PM não tem data
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.