São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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O povo (risonho) que rasga dinheiro

ALOYSIO BIONDI

A Itália partiu para um gigantesco plano de industrialização, no pós-guerra. Como no Brasil, setores básicos como petróleo e petroquímico foram desenvolvidos por estatais. Hoje, a Itália também aderiu à política de privatização, e redução da participação (direta) do Estado na economia. Igual ao Brasil? Não.
Lá o governo não está "doando" empresas a poucos grupos econômicos, num verdadeiro saque contra o patrimônio público (de todos nós). Lá, foi montado um esquema interessantíssimo para ajudar, ou forçar mesmo, a população, classe média e povão, a comprar ações das empresas privatizadas.
Como ele funciona? As ações podem ser pagas em 36 prestações. Já é um incentivo, mas sem grande inovação. Há mais, porém. Se o comprador, Antônio Classe Média, ou Maria Operária, quiser ou precisar desistir da compra meses depois, o governo recompra as ações, devolvendo-lhe o dinheiro com juros ultrafavoráveis: 3% a 4% acima dos juros internacionais.
Por que tantos atrativos? Assim como no Brasil, também na Itália o hábito de aplicar em ações não é tão generalizado como nos EUA ou Japão. Ao oferecer a garantia de pagar juros sobre o dinheiro aplicado em ações, o governo afasta qualquer temor de prejuízos, por parte dos compradores. Por que tanto empenho do governo? As estatais não vão dar lucros? As ações são "podres"? Longe disso. Na Itália, como em outros países democráticos, o governo se preocupa em evitar que a riqueza, a renda nacional, vá ficando nas mãos de um número cada vez menor de pessoas e grupos -como ocorre no Brasil.
A privatização é usada para "democratizar" o capitalismo.
No Brasil, ocorre o contrário. Anuncia-se que os bancos que compraram as usinas de aço há quatro anos por US$ 250 milhões podem vendê-las por US$ 850 milhões. Um termômetro do nível de indignidade atingido pela política de "privatização" dos governos brasileiros.
A sociedade brasileira, Antonio Classe Média e Maria Operária, nós, não entendemos ainda que todos somos donos (indiretos, via governo) do patrimônio das empresas estatais. As estatais são dinheiro nosso. Quando aceitamos que elas sejam doadas a determinados grupos, é como se deixássemos que equipes econômicas rasgassem nosso dinheiro. Continuamos bovinamente risonhos.
Versão oficial
Pode-se alegar que as siderúrgicas privatizadas vão ser vendidas com US$ 600 milhões de lucro, para os compradores, porque foram "modernizadas", com novos investimentos e melhor administração. A história não é bem assim.
Da China
Pouca gente sabe os detalhes da "privatização" no Brasil. Antes de vender as empresas, o governo (os contribuintes, nós) chama para si as grandes dívidas das empresas -e as entrega "saneadas" aos compradores. Sem prestações de dívidas e sem juros dessas dívidas a pagar, fica fácil lucrar.
No caso da CSN, como exemplo, o Tesouro (os contribuintes, nós) chamou para si, assumiu dívidas de US$ 1 bilhão.
Sem dinheiro
Além de ficarem livres das dívidas, os compradores de estatais podem pagá-las em até 15 anos, com a primeira prestação vencendo somente depois de três ou cinco anos. Vale dizer: podem revendê-las, com lucros de centenas de milhões de dólares, antes mesmo de terem começado a pagá-las. Uma vantagem indecente.
Mudança
Antônio Classe Média e Maria Povão devem pressionar o Congresso a rever a política de privatização. De alto a baixo.

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