São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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McEnroe amadurece para amar as artes

MILTON ESTEROW
DA "ARTNEWS"

Um dia em Paris, em 1977, John McEnroe, então com 18 anos, deu uma escapada de um torneio júnior e foi visitar uma exposição de pintores expressionistas.
"Eu me lembro de um Monet em um museu de Paris, que eu não tinha entendido nada", diz McEnroe, sentado atrás de uma escrivaninha em Art Déco da sua galeria, no segundo andar de um edifício da 41 Greene Street, no Soho, bairro nova-iorquino.
"Acho que aquilo foi a minha introdução ao mundo das artes. Eu despertei para a pintura. Ainda não entendia nada. Mas, obviamente, comecei a pegar o jeito à medida que pensava mais naquilo. Depois, descobri que essa coisa impressionista é boa!"
Levou alguns anos, mas a "coisa impressionista" -incluindo um Renoir que ele comprou por US$ 300 mil em 1983- serviu para transformá-lo em colecionador.
McEnroe já era o número um no ranking mundial do tênis, com 82 títulos, além de sete triunfos em torneios do Grand Slam (os quatro campeonatos mais importantes da temporada do esporte).
Há mais alguém no mundo das artes que foi até uma igreja da Itália apenas para observar um quadro de Bellini, explorar as diferenças entre Michelangelo e Tintoretto, admirar os desenhos de Egon Schiele, as pinturas de Arshile Gorky e Jean-Michel Basquiat, e as esculturas de David Smith -e que atordoava seus rivais com voleios que o tenista norte-americano Vitas Gerulaitis descrevia como "giros e piruetas, com um plié (movimento do balé) no final"?
Consistência
"Eu o acho extraordinário", diz o artista Eric Fischl, que bate bola com McEnroe. "Ele é generoso, divertido. Impressionou-me como montou uma coleção tão consistente em tão pouco tempo, o que mostra que tem talento e visão. Temos ido a galerias, e ele sempre escolhe as melhores obras."
"Ele se assentou emocionalmente e intelectualmente para amar a arte", concorda o galerista Lawrence Salander.
"Nós fomos a igrejas e museus na Itália há dois anos. Ele ficou impressionado com o que viu. É inteligente e sensível o suficiente para entender o sentido da arte."
Espere um minuto. Este é o McEnroe que nós conhecemos?
Estão falando sobre o astro internacional que era chamado de rebelde, o desarrumado e topetudo menino-prodígio de Douglaston, Queens (NY)? Sim, é ele mesmo.
McEnroe, 36, tem 1,80 m, está magro e com cabelos castanhos encaracolados, já embranquecidos e escassos. Seus penetrantes olhos azuis podem ser sérios, e seu cavanhaque é bem desenhado.
John me recebe de jaqueta, camisa branca, gravata, jeans e tênis. Suas palavras são despejadas rapidamente, com muita ironia. A intensidade da quadra de tênis não está presente. Ele está relaxado, caloroso, aparentemente em paz.
Na parede atrás de sua mesa está um grande quadro de Ed Ruscha, com as palavras "Uma Invasão de Privacidade". Foi um presente da ex-mulher, a atriz Tatum O'Neal.
Próximas ao quadro de Ruscha estão duas gravuras a guache de seu filho Kevin, de 9 anos.
Num cavalete está um pequeno impresso de Emil Nolde. Próxima, fica uma réplica de uma jukebox que McEnroe comprou numa ação de caridade.
Há esculturas de David Smith e Gaston Lachaise. Na parede oposta a sua mesa está um quadro de Fischl de 1986, "Couple Going In and Out of the Sun".
Aprendizado
"No meu crescimento, a arte foi uma coisa que não fez parte da minha vida", diz McEnroe.
"Eu tinha 19 ou 20 anos quando Vitas me trouxe ao Soho para visitar a galeria do Louis Meisel, e vi pinturas fotorrealistas. Eu as achei demais e comprei dois quadros de Tom Blackwell."
Aos 20 anos, ele já era um milionário. Três anos antes, seus ganhos semanais eram de US$ 5.
"Não sabia muito sobre arte", continua. "E sinto que tenho muito a aprender. Uma das melhores coisas em ser dono de uma galeria é o aprendizado. Estou anos-luz atrás de quem trabalha com isso. É um mundo intenso."
"Já achei divertido ir a um leilão. A primeira peça que comprei em um leilão foi um quadro de Picasso. Paguei uns US$ 200 mil. Descobri, uma vez que me envolvi com arte de modo mais sério, que queria qualidade. Não queria coisas de segunda ou terceira categoria."
O processo de transformação de estrela do tênis em colecionador foi lento. "Estava na estrada 40 semanas por ano e indo às galerias para abrir meus olhos."
"Isso pode parecer baboseira, mas acho que foi um bom caminho para passar o tempo enquanto estava nos hotéis. Mas o problema é que, se estivesse jogando às 8h, o meu dia se resumia a duas horas de jogo. Quando eu olhava um quadro, já estava cansado."
"Estava acostumado a ir a vários museus por dia, e estava tão cansado que pensava: 'Não posso fazer isso, vai prejudicar o meu jogo!'. Então decidi ficar trancado nos quartos de hotel. E minha vida ficou tão chata que dava medo".
Chata e amedrontadora?
"Mais chata que se possa imaginar. Você pega a estrada, disputa um torneio, dorme até as 11h, levanta, treina do meio-dia até as 13h, volta, fica no seu quarto entre as 16h e 18h brincando com seus polegares e tentando tirar uma soneca para matar o tempo, acordar às 20h babando feito um animal..."
Número um
Os dois anos mais agradáveis que ele teve no tênis não foram aqueles em que esteve no topo do ranking.
"Acho que a tragédia da sociedade atual -e faço parte dela- é essa corrida de gato e rato para mostrar quem é melhor", diz.
"Os dois anos mais divertidos que tive no tênis foram 79 e 80, quando estava atrás do Bjorn Borg no ranking. Toda pressão estava voltada para ele. Mas, repentinamente, Bjorg caiu. Em 81, eu virei o número um, e, de repente, tudo estava centrado em mim, e, estou dizendo, não era nem de longe tão agradável como antes. É bom vencer, mas tão logo eu vencia, olhava sobre meu ombro para ver de onde viria o próximo cara."
McEnroe ficou no topo do ranking até 84.
"Quando cheguei aos 30 anos, h

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