São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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Médico leva sangue de Evita Perón a leilão

DANIEL BRAMATTI
DE BUENOS AIRES

Pressionado por problemas econômicos, o médico aposentado argentino Gonzalo Pérez Roldán, de Bariloche (sudoeste do país), anunciou que venderá "pela melhor oferta" sua principal relíquia da era peronista: uma amostra de sangue da primeira-dama Eva Perón.
O médico, de 79 anos, atendeu Evita em seus últimos dez meses de vida e diz ter sido "confidente" da personagem feminina mais importante da história argentina.
Pérez culpa "o atual modelo econômico" pela penúria por que passa -a aposentadoria, de US$ 337, não cobre despesas com medicamentos, aluguel e comida.
"Se estivesse viva, Evita cortaria os ovos dos políticos responsáveis por este desastre", disse o médico à Folha, numa referência indireta ao presidente Carlos Menem, que se declara peronista, mas demonstra ser adepto de um modelo econômico distante do paternalismo defendido por Perón.
Quando sua paciente morreu de câncer, em 1952, Pérez ficou com quatro amostras de sangue. Três delas foram enviadas ao general Juan Domingo Perón quando se exilou na Espanha, após ser afastado da Presidência argentina, em 1955.
Também irão a leilão cartas e cartões de Natal manuscritos por Evita, além de um projeto assinado por Perón que previa a criação de um banco nacional de sangue.
"É doloroso me desfazer dessas recordações, mas sou mais um aposentado que está falecendo. Não tenho nada para deixar para meu filho, a não ser a conta do enterro", afirmou.
Pérez escreveu um livro sobre os últimos 300 dias de Evita e espera que alguma editora se interesse em publicá-lo. "Evita é um mito, mas um mito muito próximo, que durante 300 dias falou comigo quase diariamente".
Filiado desde a juventude à União Cívica Radical, de oposição a Perón, o médico diz que esperava encontrar uma mulher "prepotente e desagradável" ao ser chamado pela primeira vez à residência oficial. "Encontrei justamente o contrário", contou.
Na primeira conversa, Evita prometeu convertê-lo ao peronismo. "Não conseguiu, pois perdi a crença na política. Mas fui convertido à doutrina social de Evita", disse o médico.
Idolatria
O assistencialismo marcou a atuação de Eva Perón como primeira-dama. Ela atendia pessoalmente a centenas de pessoas e as ajudava a resolver problemas de toda espécie -desde a confecção de um documento até a obtenção de roupas e alimentos.
A ação social, a origem humilde e a morte prematura -aos 33 anos- acabaram por transformar Evita em "santa" para grande parte da população.
Uma prova de que o mito ainda sobrevive é a polêmica provocada pela escolha de Madonna para interpretar o papel da primeira-dama no filme de Alan Parker. Durante as filmagens em Buenos Aires, a cantora e atriz foi hostilizada por peronistas, e Parker teve de prometer mudanças no roteiro para conseguir a colaboração do governo.
O médico não é o único a tentar tirar proveito da volta de Evita ao centro das atenções dos argentinos. No mês passado, o sobrinho de um estilista da primeira-dama promoveu um leilão de vestidos e chapéus, que havia recebido de herança.
O resultado, porém, não foi muito alentador: apenas dois dos quatro vestidos foram vendidos, por um total de US$ 20,5 mil, e não houve ofertas pela maior parte dos chapéus -cujo preço mínimo variava de US$ 1 mil a US$ 3 mil.

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