São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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Denúncia de ex-funcionária abriu crise

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

A China testemunhou neste ano a entrada de mais uma acusação na sua lista de violações de direitos humanos. Orfanatos, para eliminar suposto excesso de órfãos, organizariam "quartos da morte", salas reservadas às crianças que seriam levadas à morte por falta de comida ou tratamento médico.
A China nega as acusações, mas o tema orfanato entrou para sua lista de "assuntos delicados". Em março, a polícia invadiu, num hotel em Pequim, jantar que buscava arrecadar doações para orfanatos chineses. Acusou os organizadores do evento de não terem autorização oficial.
A Folha entrou em contato com um orfanato em Pequim, a fim de visitá-lo. A visita, respondeu a direção da entidade, só poderia ocorrer com autorização do Ministério das Relações Exteriores.
A organização pró-direitos humanos Human Rights Watch/Asia, baseada em Nova York, divulgou em janeiro um relatório de 331 páginas com a acusação dos "quartos da morte".
O relatório se baseava em dados do próprio governo chinês e em depoimentos de Zhang Shuyun, que trabalhou entre 1988 e 1993 num orfanato de Xangai, a maior cidade da China.
O documento seguia a trilha iniciada ano passado pelo Canal 4, do Reino Unido. Os jornalistas da TV, disfarçados de voluntários, entraram em orfanatos e filmaram os supostos "quartos da morte".
Crianças são amarradas a suas camas, mamadeiras ficam largadas, sem que as funcionárias alimentem alguns órfãos, num "cenário de crueldade, abuso e negligência", descreveu o relatório do Human Rights Watch/Asia.
Dados do governo chinês, prossegue o documento, mostram que orfanatos tiveram praticamente mesmo número de mortes e de admissões no final dos anos 80 e começo dos anos 90.
Controle populacional
Segundo o depoimento de Zhang Shuyun, que hoje vive nos EUA, vários orfanatos teriam organizados os "quartos da morte" para manter uma população que estivesse "dentro do alcance do seus orçamentos". Num orfanato na província de Fujian (sudeste), em 1989, 109 crianças foram admitidas e 109 morreram.
O dossiê do Human Rights Watch/Asia cita casos como o de Shun Zhu, que chegou a um orfanato em Xangai com um mês de vida em junho de 1989 e morreu dois meses depois. Ela apresentava sinais evidentes de desnutrição.
"As chances de sobreviver mais de um ano, para um órfão recém-admitido nas instituições chinesas, eram menores do que 50% em 1989", afirmou o relatório.
O levantamento também mostrou que meninas são vítimas frequentes dos abusos. Elas são maioria nos orfanatos chineses.
O motivo: na China, existe uma política de controle da natalidade chamada "um casal, um filho". Muitas famílias, principalmente na zona rural, abandonam o bebê mulher, pois preferem um filho.
A preferência recai sobre o menino porque ele garante a manutenção do sobrenome da família e significa mais uma fonte de renda.
Crianças escondidas
Zhang Shuyun disse que o Instituto de Bem-estar das Crianças de Xangai, no qual ela trabalhou, escondia as crianças que sofriam abusos quando estrangeiros visitavam a entidade. O relatório do Human Rights Watch/Asia trouxe fotos feitas por Ai Ming, 23, que passou a infância num orfanato. As imagens mostram crianças desnutridas amarradas à cama.
Embora a polícia tenha invadido o jantar organizado por norte-americanos, outros eventos sobrevivem para se levantar doações aos orfanatos. A embaixada alemã, por exemplo, organizou um torneio de futebol para diplomatas. A venda de comida e bebida gerou dinheiro para os órfãos.
(JS)

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