São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
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Saúde: a pedagogia da tragédia

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

Vacinas sem controle de qualidade em São Paulo, provenientes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e quatro dezenas de óbitos de renais crônicos, em processo de diálise, decorrentes da economia na aquisição de água em uma clínica de Caruaru, para a qual o governo terceirizou o atendimento, são a ponta do iceberg que demonstra a situação caótica do sistema de saúde. Aproveito esses dois pontos para mostrar a origem do caos e a direção de sua correção.
Apesar da Constituição (artigo 192) garantir que a saúde é pública e um direito de todos, a realidade é outra: ações de saúde são compradas com recursos públicos dos hospitais privados (como o de Caruaru), que, para ter lucro, atendem mal e fraudam. Esses hospitais consomem mais de 40% do orçamento federal da saúde, agravando o sucateamento das unidades públicas.
Privatização fantasiada de terceirização desfinanciando o sistema e centralização disfarçada num discurso de descentralização foram ações promovidas a partir da contra-reforma da saúde, iniciada em 1990. Essa situação persiste até hoje e, quando acontecem episódios tipo Caruaru ou Fiocruz, a imprensa desavisada culpa o modelo SUS, ao invés de mostrar que a razão desses fatos repousa nas mesmas medidas que visam destruí-lo.
Em reunião do Conselho de Curadores da Fundação Faculdade de Medicina do Hospital das Clínicas de São Paulo, concluímos que, com um pouco mais de recursos, dobraria-se o atendimento, uma vez que há ociosidade de espaço físico e corpo docente-assistencial.
É inevitável concluir que a solução para a saúde é usar os recursos da terceirização perdulária no sistema público e fazê-lo funcionar com eficiência. Não podemos permitir que a saúde persista inserida num conflito de interesses, qual seja o de colocá-la no mercado onde o objetivo é o lucro.
Vivemos a seguinte dicotomia: "saúde como direito ou como mercadoria". Talvez ela possa até ser mercadoria para os que têm muito dinheiro e poder para exercer controle sobre o sistema privado. Mas, para a maioria da população, a saúde precisa ser um direito.
Essa dicotomia só pode ser resolvida eticamente, substituindo a terceirização ineficaz por um sistema público filantrópico, eficiente e humano. E a gestão centralizada por uma verdadeira descentralização, com sistemas locais de saúde e repasse das funções centralizadas (normatização e avaliação) para escritórios regionais, com supervisão dos Estados. Para isso basta vontade política, conhecimento e coragem de romper com interesses escusos e muitos fortes.

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