São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 1996
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Nacionalismo, carisma e reformas

ISABEL MARIA LOUREIRO

dentre todos os partidos políticos anteriores ao golpe de 64, foi o único a ser objeto de disputas acirradas por parte de Ivete Vargas e Brizola, quando do fim do bipartidarismo no país? Maria Celina d'Araujo procura responder à questão, analisando a trajetória do partido desde a sua origem até o golpe de 64, tendo como foco a estrutura interna de poder e as estratégias políticas e eleitorais por ele adotadas durante esses 20 anos.
Vendo o PTB como um partido de origem carismática e personalista, d'Araujo, apoiada em amplo material de pesquisa, compõe um excelente estudo, ao mesmo tempo sociológico e histórico, de grande interesse tanto para o leigo quanto para o especialista. Acompanhemos rapidamente o seu percurso.
O PTB foi criado com o objetivo de promover a imagem de Getúlio Vargas e defender a legislação social implantada a partir de 1930. Ligado ao sindicalismo corporativista do Estado Novo, o partido visava incorporar os trabalhadores à política e assim afastá-los da órbita do comunismo.
Partido centralizado e autoritário, impedindo divergências internas que supostamente questionariam a figura de Getúlio, foi controlado no início por meio da rotatividade dos cargos de direção até que João Goulart, o ungido de Vargas, fosse alçado à sua presidência em 1952, onde ficou até 1964. Sob o comando de Goulart o partido conseguiu finalmente alguma estabilidade interna, fundada no fortalecimento do controle da máquina partidária e na resistência à democratização e à rotatividade dos cargos de direção por parte dos grupos janguistas.
O PTB que, segundo a autora, foi marcado pela ambiguidade de ser ou não ser governo, chega ao poder com Vargas em 1950. O período de relativa estabilidade, que se segue à indicação de Goulart para a presidência do partido, encerra-se com a morte de Getúlio. Contudo, a máquina partidária já se encontrava suficientemente consolidada e podia resistir ao desaparecimento do líder carismático. "A parentela -Lutero, Ivete, Brizola, Jango- havia se imposto à agremiação" (pág. 100), mostrando que a "dispersão do carisma" em líderes secundários permitia ao partido sobreviver.
Com Jango vice-presidente no governo JK, o PTB volta ao poder. Agora, sua atuação é fortemente marcada pela defesa das reformas de base, o que revelaria sua inserção no debate ideológico da época. O PTB torna-se porta-voz do discurso nacionalista predominante na América Latina, centrado na idéia de que os direitos sociais só seriam garantidos se o país fosse economicamente independente, contrapondo-se aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Assim, criticava a timidez da política reformista de JK, sobretudo no tocante à reforma agrária. "Foi como partido de oposição, ideologicamente radicalizado, que o PTB chegou ao poder em 7 de setembro de 1961" (pág. 138).
Essa radicalização, manifestada principalmente na defesa da participação popular direta, levou a desencontros constantes entre o PTB e Jango, fazendo com que este perdesse o controle sobre o partido e fosse forçado por sua vez a radicalizar-se. A consequência foi a mobilização dos setores conservadores contra o suposto rumo do país em direção ao comunismo, tendo por desfecho o golpe militar.
Segundo Maria Celina d'Araujo, a não resistência das massas ao golpe, deixando o governo isolado, revelaria que o PTB, apesar de sua pregação sindicalista, nacionalista e trabalhista, não conseguiu levar os trabalhadores a uma forma autônoma de ação política. Após o golpe, ficou claro que o movimento operário só era forte porque apoiado pelo governo. Em suma, embora o PTB fosse um poderoso instrumento de mobilização eleitoral, a sua feição clientelista impediu-o de incorporar politicamente a classe trabalhadora. Com isso, "perderam os trabalhadores, perdeu a democracia".
Na briga com Ivete Vargas, pela posse da sigla PTB, Brizola foi derrotado. No entanto, o seu PDT é, para o bem ou para o mal, o herdeiro legítimo do velho partido, e não como poderiam supor os incautos, o PTB do ex-ministro da Agricultura, o banqueiro Andrade Vieira. Afinal, é bom não esquecer, se o PTB conseguiu forte apelo popular, isso se deveu ao fato de ter defendido propostas generosas para graves problemas sociais até hoje sem solução, como o da reforma agrária.

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