São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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O melhor time de todos os tempos?

CLÓVIS ROSSI
FOTO PAULO FRIDMAN

Terminou não faz muito o jogo Palmeiras 5 x Atlético Mineiro 0, pela Copa do Brasil. A delegação mineira recolhe-se ao "flat" em que se hospedou na região da avenida Paulista, centro de São Paulo.
Vão todos ao restaurante, em um silêncio de velório. Os jogadores não abrem a boca nem sequer para pedir água ao garçom.
Só o goleiro Taffarel, campeão do mundo, quebra o silêncio, para explicá-lo:
"Eles foram muito cruéis com a gente".
"Eles" é o Palmeiras, dono de um ataque que chegou a manter média de gols por partida superior até a do Santos de Pelé e cia., o time que vinha sendo a referência permanente e obrigatória de todo amante de futebol como a grande equipe de todos os tempos.
A idéia da crueldade associada a esse grupo de jogadores cruzou o oceano, e foi estacionar na revista "Guerin Sportivo", a principal sobre futebol da Itália, que dedicou quatro páginas ao Palmeiras, com um título bilíngue.
"Bianco, rosso e Verdão" (branco, vermelho e verde, as cores da bandeira italiana, em uma espécie de apropriação sentimental do time, criado pela comunidade italiana de São Paulo).
"Massacram. Humilham. Vencem. Marcam", diz o texto, logo na abertura.
"A orquestra do Palmeiras conta com 11 diretores e outros tantos primeiros-violinos", deslumbra-se "Guerin".
Os inimigos dirão que é um exagero. Mas não o é para os palmeirenses de carteirinha como Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, professor da Unicamp e um dos pais do Plano Cruzado.
"Quem é um pouco fanático, sempre sonhou em ter um time como esse, quase perfeito", anima-se Belluzzo, que viu seu primeiro jogo do Palmeiras faz quase 50 anos.
Era 1947, e o Palmeiras derrotou o São Paulo por 4 a 3, com um ataque formado por Lula, Arturzinho, Oswaldinho, Lima e Canhotinho, recorda-se Belluzzo.
Mas ele é incapaz, mesmo com meio século de acompanhamento do Palmeiras, de recordar-se de "outro ataque como o atual".
"Dá uma sensação de plenitude", regozija-se o economista.
Os adversários
Mesmo os arqui-rivais corintianos, pelo menos os menos fanáticos, se sentem compelidos a concordar.
"Estou apaixonado por esse Palmeiras, como estive pelo Santos de 1960 e pelo Flamengo do início dos anos 80", confessa Juca Kfouri, colunista da Folha. E corintiano.
Juca comete até a heresia de, repetidamente, em sua coluna no jornal, atribuir desde já o título paulista de 1996 ao Palmeiras, correndo o risco de ser desmentido pelos próximos resultados.
Para Juca, não importa, aliás, o título. "Esse Palmeiras já está na história. Daqui a 20 anos, vai-se falar dele, ganhe ou não o campeonato", acredita o colunista, cuja memória assinala, como primeira partida assistida, o célebre empate (1 x 1) entre Palmeiras e Corinthians que deu o título do 4º Centenário da cidade de São Paulo ao Corinthians.
Juca compara o Palmeiras-96 aos outros "dream teams" de sua memória: "O Flamengo foi bicampeão do mundo, mas não exibia a superioridade sobre os demais que o Palmeiras hoje demonstra".
Sobre o Santos de Pelé: "A grande diferença é que o Santos jogava e deixava jogar. Tomava quatro e fazia sete. O Palmeiras faz sete, mas não toma os quatro".
O fascínio com o Palmeiras é capaz de desbancar grifes internacionais mais sedutoras.
"Até o início do ano, eu era Ajax fechado. Hoje, sou Palmeiras", diz Alberto Helena Junior, também colunista da Folha e um dos poucos cronistas esportivos que esconde zelosamente sua preferência clubista.
Helena faz um rápido retrospecto das características do futebol para explicar seu fascínio.
Lembra que, até mais ou menos 1968, "o jogo era mesmo franco, os atacantes tinham mais liberdade, e era comum ver-se goleadas". Depois, continua, "até 3 a 1 virou goleada".
Helena fecha assim o raciocínio: "Com as dificuldades de hoje, conseguir o prodígio de, em três passes, chegar na cara do gol, e de criar 18 a 20 chances reais de marcar, com a maior tranquilidade, é espantoso".
Facilidade
Até outra tribo arqui-rival, a dos são-paulinos, reconhece essa extraordinária facilidade.
Como o sociólogo José Renato de Campos Araújo, 27, que, em junho, defende no Programa de Mestrado de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) uma tese chamada "Futebol e Imigração - O Caso Palestra Itália" (nome do atual Palmeiras, entre a fundação, em 1914, e 1942).
José Roberto viu o Palmeiras ganhar do São Paulo (3 a 2), diz que torceu muito (pelo São Paulo), mas concede: "Se parar para pensar, a gente vê que o Palmeiras teve o dobro de chances".
Os treinadores dos adversários também são obrigados a admitir a "crueldade" apontada por Taffarel.
Caso de Leal, técnico do América de Rio Preto, que arma o seguinte teorema sobre o Palmeiras:
"Eles atacam com os alas, a gente tenta neutralizar os alas. Aí, eles atacam pelo meio, e você tenta neutralizar também o meio. Aí, eles vêm na diagonal, e a gente tenta bloquear a diagonal. Se a gente consegue mesmo bloquear tudo, aí vem o Cleber de trás e marca", desanima Leal.
O melhor time
"Professor, o que está acontecendo comigo?", perguntou o zagueiro ao técnico Wanderley Luxemburgo, ao comemorar junto a ele e ao banco de reservas o seu segundo gol na vitória (6 a 0) do Palmeiras sobre o Santos.
Em todo o caso, nem esse deslumbrante time é capaz de ser unanimidade, entre palmeirenses e não-palmeirenses.
O ministro do Planejamento, José Serra, que vê seu Palmeiras jogar desde 1948, acha que o time de 1950 era melhor do que o atual.
E não só porque ganhou cinco títulos na mesma temporada, incluindo, claro, torneios menores como o hoje extinto Torneio Início. "Aquele Palmeiras entusiasmava", relembra Serra, que lamenta uma lacuna na sua memória palmeirense.
Não pôde ver (estava no exílio) o Palmeiras da Academia, o time comandado por Dudu e Ademir da Guia.
O humorista Jô Soares, que mantém a paixão pelo Fluminense apesar dos anos que leva morando em São Paulo ("torcedor de um time é de um time só", receita Jô), acha que, de alguma forma, o Palmeiras bicampeão paulista de 93/94 era melhor do que o atual.
"O time anterior, com o Edmundo, era individualmente melhor. Time que tem Edmundo já é melhor naturalmente", opina Jô.
Mas admite que o atual "em conjunto, agressividade e competitividade é coisa nunca vista". Logo, corrige o "coisa nunca vista" para "coisa que há muito tempo não se via", porque prefere o Santos de Pelé.
"Não se vai fazer outro igual. Só faltava o Garrincha na ponta direita", diz Jô.
Diverge radicalmente Marco Aurélio Klein, 45, editor da "Revista do Palmeiras", palmeirense hereditário (a mãe e o pai também o são).
O Olimpo
Klein evita as comparações com qualquer outro time de futebol, do passado e do presente, e vai direto ao Olimpo do esporte. "O Palmeiras só é comparável ao Chicago Bulls" (time de basquete que bateu o recorde consecutivo de vitórias na legendária NBA, a liga profissional norte-americana).
Um pouco como Juca Kfouri, Marco Aurélio Klein faz a seguinte comparação entre o Palmeiras-96 e o Santos de Pelé:
"O Santos encantava. O Palmeiras encanta e apavora".
O ponto em que todos coincidem, do fluminense Jô ao corintiano Juca Kfouri, passando pelos palmeirenses, é na louvação ao papel do técnico Wanderley Luxemburgo.
O melhor resumo da opinião de todos eles vem do ministro do Planejamento, José Serra, utilizando uma linguagem típica de um economista.
"O Wanderley soube como maximizar o rendimento dos jogadores, seja do ponto de vista da relação pessoal seja do ponto de vista da tática", diz Serra.
Esse rendimento maximizado faz com que alguns adversários desloquem o enfoque para a Parmalat, a multinacional italiana que patrocina o Palmeiras.
Caso de Telê Santana, treinador do São Paulo agora afastado por problemas de saúde.
Em sua coluna de domingo passado na Folha, Telê escreveu que "apenas o Palmeiras, que tem o apoio de uma multinacional, pode se dar ao luxo de fazer grandes investimentos e montar uma equipe de estrelas".
E emendou com o temor de que "isso pode desequilibrar campeonatos futuros em favor do Palmeiras".
Pode? Não, fulmina Marco Aurélio Klein, que acompanha o dia a dia do clube. "No ano passado, a Parmalat também colocou um caminhão de dinheiro no Palmeiras, e foi tudo jogado fora", compara Klein, lembrando da temporada em que o condomínio Palmeiras/Parmalat perdeu tudo e não encantou ninguém.
Jô Soares faz outra comparação para minimizar o papel da multinacional italiana. "No ano passado, o Flamengo também investiu muito dinheiro, trouxe Romário e Edmundo, colocou-os ao lado do Sávio, e deu tudo errado", diz.
As comparações fazem sentido, mas que o esquema profissional imposto pela Parmalat ajuda muito, é inegável.
Ajuda não apenas a trazer jogadores "cruéis", como os que Taffarel descreveu após tomar cinco gols, como a cuidar de todos os detalhes.
Exemplos:
1 - A concentração do Palmeiras, antes no Lord Hotel, no centro de São Paulo, local inadequado, passou para um "flat" bem mais confortável na região da Paulista.
2 - Sempre que possível, o Palmeiras viaja em aviões de primeira linha. "O Wanderley não gosta nem do Fokker-50, prefere o Fokker-100", conta Marco Aurélio Klein.
3 - Um diretor da Parmalat, Vincenzo de Roma, tem sala permanente no Palmeiras e acompanha o dia a dia do clube, assim como Sebastião Lapola, o diretor de futebol, hoje um profissional que dá expediente diário, ao contrário dos "cartolas" de antigamente.
Tudo somado, a "crueldade" de que se queixou Taffarel acabou reduzindo ao conformismo até os adversários.
Uma das inúmeras piadas geradas pelo fenômeno Palmeiras é contada pelos são-paulinos. Diz que o São Paulo é o time mais próximo da perfeição no futebol brasileiro.
Por quê? "Porque é só pular o muro e já está no campo do Palmeiras" (São Paulo e Palmeiras treinam em instalações vizinhas, próximas à Marginal do Tietê, na zona oeste de São Paulo).

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