São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 1996
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BC cerceou defesa, afirma ex-diretor do Banespa

FREDERICO VASCONCELOS
EDITOR DO PAINEL S/A

O ex-deputado federal Joaquim Carlos Del Bosco Amaral (PMDB-SP), 57, recentemente precisou de autorização judicial para licenciar seu Tempra 92.
Ex-diretor de operações do Banespa, ele responde -junto com outros ex-dirigentes do banco- a processos nas áreas cível e criminal, sob a acusação de aprovar empréstimos considerados ilegais.
Com os bens indisponíveis (não pode vendê-los até o final do julgamento), Del Bosco Amaral mantém, contudo, a disposição de reagir ao que chama de "lei do menor esforço" nas intervenções do Banco Central: "É a prática de culpar todos, que é mais simples do que procurar os grandes culpados".
"Muita gente honrada está pagando um preço altíssimo e alguns erroneamente pensam que o silêncio vai ajudá-los", diz.
"Homens de bem, que só têm os bens que declaram ao Imposto de Renda, esses estão liquidados. Os que tenham sido corruptos estão adorando o que está acontecendo, porque eles devem ter o seu 'caixa dois', o seu dinheiro no colchão. Esses não vão sofrer nunca a dificuldade de não ter um advogado e de ficar batendo às portas dos órgãos de divulgação", diz.
Del Bosco Amaral recebeu a Folha, na última quarta-feira, para relatar irregularidades das quais diz ter sido vítima no período de intervenção no Banespa.
Folha - Quem o indicou para diretor de operações do Banespa?
Joaquim Carlos Del Bosco Amaral - Fui convidado pelo então governador Fleury, em 91. Estava no fim do terceiro mandato de deputado federal, não havia sido reeleito.
Folha - O sr. tinha experiência em atividades bancárias?
Del Bosco Amaral - Não. Eu pedi pelo menos um mês para responder, porque eu gostaria de saber se era algo ao alcance da minha capacidade. Eu havia sido presidente da Comissão de Finanças da Assembléia Legislativa de São Paulo e conhecia bem o Banespa.
Folha - O sr. recebeu pressões para aprovar algum empréstimo?
Del Bosco Amaral - Nunca chegaram a me pedir algum voto.
Folha - Como o sr. acompanhou o início da intervenção?
Del Bosco Amaral - Eu estava convicto de que ia ser uma intervenção curta. Mas a interventoria do banco, que tinha atribuições específicas, deixou de cumpri-las. Não publicou o balanço da interventoria e o balanço do banco.
Folha - Em que medida isso prejudicou os administradores?
Del Bosco Amaral - Os administradores que eventualmente estivessem temerosos, por algum ato praticado, ficaram exultantes. Os administradores que não temiam a apuração ficaram atônitos.
Folha - A interventoria permitiu o direito de defesa?
Del Bosco Amaral - Por alguma razão que ainda deve ser apurada, em vez de sanear o banco, para evitar a fuga de clientes, resolveu fazer uma série de auditorias internas. E deixou de cumprir as formalidades legais mais comezinhas.
Folha - Por exemplo?
Del Bosco Amaral - A publicação do balanço e o relatório sobre a situação em que estava o banco. Ela foi advertida pela comissão de inquérito.
Folha - Como agiu a interventoria em relação ao seu caso?
Del Bosco Amaral - Ela sempre foi muito atenciosa. Mas o "não" era a palavra constante. Sempre alegou que todos teriam oportunidade de se defender na Justiça.
Folha - Ela aceitou documentos que o sr. quis encaminhar?
Del Bosco Amaral - Não. Eu encaminhei para a comissão de inquérito, que era o foro adequado, e tudo foi aceito.
Folha - Então, a interventoria se precipitou e encaminhou denúncias ao Ministério Público, antes da conclusão do trabalho da comissão de inquérito?
Del Bosco Amaral - Eu diria que em quantidade superior até às encaminhadas pela comissão de inquérito. Não é proibido. Mas seria muito lógico que a comissão de inquérito o fizesse. Essas representações, vim a saber mais tarde, foram marcadas pela ausência de documentos muito importantes. Primavam pela ausência absoluta do contraditório, o que deixa o processo completamente viciado.
Folha - O interventor tinha a obrigação de ouvi-lo?
Del Bosco Amaral - Eu cito como exemplo o caso da Paraquímica (empréstimo considerado irregular). Quando eu ainda era diretor do banco, foi instaurada uma auditoria, a meu pedido. Esse documento foi sonegado à Justiça, eu tive que mandar depois.
Folha - O sr. foi ouvido pela comissão de inquérito?
Del Bosco Amaral - Ela não me chamou, até por que, acredito, eu não encaminhei nenhuma operação que pudesse ser questionada.
Folha - O sr. registrou manifestações contrárias naquelas operações das quais discordava?
Del Bosco Amaral - Sempre votei de acordo com o Manual de Organização do Banespa. E sempre eu me vali de informações que vinham das áreas de suporte.
Folha - O sr. vetou operações?
Del Bosco Amaral - Eu estou como réu até em operações em que votei contra. Eu digo que só podemos ser salvos pela Justiça. Por exemplo, em relação à operação com a Indústrias Nardini (outro empréstimo tido como irregular), há um fato curioso. O sr. Antonio Hermann (Antonio Hermann Dias Menezes de Azevedo, vice-presidente do Banco Itamarati) foi o criador da operação, quando vice-presidente do Banespa. O sr. Hermann acaba de conseguir uma vitória na Justiça. O sr. Hermann foi absolvido, tal a certeza de que tudo foi feito em conformidade com a lei. Eu, que votei contra a operação, sou réu.
Folha - O sr. fala de fraudadores, na liberação de recursos, que não estão incluídos na denúncia. O sr. poderia identificá-los?
Del Bosco Amaral - Vamos pegar o caso da Cooperativa de Cotia (operação considerada irregular). O nome, quem quiser vá buscar, é fácil. Eu tenho documento, em meu poder, e exibo se necessário. O gerente-geral da agência onde nasceu a operação, a agência Ceagesp, disse que a Cotia era a melhor cliente da agência, com resultados bilionários. Esse mesmo cidadão, pasme quem quiser, é a testemunha número um na acusação do Ministério Público contra 54 diretores.
Folha - A lista dos responsabilizados está incompleta?
Del Bosco Amaral - Ela foi muito além. Essa responsabilidade objetiva, que muitos pensam que é a individual, é a solidária.
Folha - Como o sr. vê a inclusão de Quércia e Fleury na lista?
Del Bosco Amaral - Eu não tenho simpatia pessoal por nenhum deles, porque deixaram o Banespa correr solto. Mas, se devessem estar na lista, os diretores de fiscalização e os presidentes do BC, no período, deveriam ser co-responsabilizados. Isso é uma farsa.

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