São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 1996
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Altman filma o jazz em "Kansas City"

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

"Kansas City" é um filme atípico de Robert Altman. Decepcionou ontem na em Cannes a quem esperava mais um grande mosaico da sociedade americana. Jazz e música country são mundos distintos. "Kansas City" jamais poderia ser um "Nashville" jazzístico.
Há mais pontos em comum entre o novo Altman e os filmes célebres de seu pupilo Alan Rudolph, como "Os Modernos" ou "O Círculo Vicioso de Dorothy Parker", do que entre "Kansas City" e "Short Cuts" ou "Prêt-À-Porter". Trata-se aqui de reconstituir uma época, sobretudo sua atmosfera, através de uma estória em que convivem personagens reais e imaginários.
Onde: Kansas City, Missouri, sul dos EUA. Quando: 1934, a Depressão flagelando toda a América, Kansas City à parte como um oásis regado a álcool, jogo e corrupção. O quê: uma jovem operadora de telégrafo (Jennifer Jason Leigh) sequestra a esposa de um assessor do presidente Roosevelt (Miranda Richardson), visando libertar seu marido ladrão (Dermot Mulroney) das mãos do chefe dos gângsteres (Harry Belafonte).
Como nos filmes de Rudolph, a trama é o que menos importa. Em "Kansas City" interessa a Altman sobretudo reconstituir a Kansas City em que nasceu em fevereiro de 1925. "Claro que a romantizei um pouco", assumia ontem em Cannes o cineasta.
A Kansas City de Altman é necessariamente bipolarizada. Há o mundo oficial, branco e corrupto, dominado pela máfia. E há um outro, mais paralelo do que subterrâneo, negro e também corrupto, em que convivem ombro a ombro escroques e deuses do jazz.
Um drama policial do primeiro estruturado a partir da musicalidade do segundo resume o projeto de Altman. "A idéia era fazer do filme uma peça de jazz", reconheceu. Tudo, do ritmo dos diálogos à velocidade das imagens, serviria a este propósito.
Em raros momentos "Kansas City" executa plenamente essa proposta. Os principais são a reconstituição de um longo duelo musical entre Lester Young e Coleman Hawkins, revivido pelo encontro entre dois magos contemporâneos, Joshua Redman e Craig Handy, e os monólogos racistas do chefão Belafonte.
Outro dueto, o feminino central, desafina sobretudo devido à profusão de caretas de Jennifer Jason Leigh. A música deliciosamente incessante, gravada ao vivo pelo melhor do melhor, não basta para imprimir um ritmo jazzístico. "Kansas City" cumpre pela metade o que promete. É principalmente um filme a se ouvir.

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