São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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A verdadeira história do gasto social

FERNANDO REZENDE

As recentes críticas à atuação do governo Fernando Henrique na área social têm-se utilizado de análises equivocadas de dados sobre o gasto do governo federal em programas sociais, para arguir que, comparativamente a administrações anteriores, o gasto público teria se reduzido no atual governo, contrariando a prioridade anunciada pelo presidente.
De modo geral, tais análises utilizam informações preliminares sobre o comportamento do gasto social no período 1986-1995, elaboradas pelo Ipea, para afirmar que, com exceção da Previdência, o governo Fernando Henrique estaria aplicando menos recursos na área social que os governos Collor e Sarney. A maneira como os dados são organizados e apresentados pode induzir a conclusões preconcebidas e levar a erros que precisam ser reparados, conforme apontado a seguir.
Primeiro, a série do gasto social para o período em questão reúne dados não diretamente comparáveis ao longo do tempo. Em particular, os dados relativos ao período 86-93 foram computados, em base anual, tomando, para fins de deflacionamento, índices médios de inflação anual do período, ao passo que os dados de 1994 e 1995 foram levantados e deflacionados mês a mês, com base no desembolso efetivo do período (regime de caixa).
A principal consequência dessa diferença de procedimentos é subestimar os gastos relativos aos anos de 1994 e 1995, frente aos anos anteriores, uma vez que a inflação cadente desses anos faz com que o deflacionamento mês a mês, conjugado com a concentração do gasto no segundo semestre -uma característica usual de comportamento do gasto público-, seja menor do que o calculado com base no índice médio anual.
Uniformizados os procedimentos, o gasto social no primeiro ano do governo Fernando Henrique foi de R$ 80 bilhões, 30% maior do que a média do governo Collor (R$ 62 bilhões) e 25% maior do que a média do governo Sarney (R$ 64 bilhões).
Segundo, a mudança na estrutura do gasto responde à dinâmica demográfica e a determinações inscritas na Constituição de 88, e não a uma modificação perversa de prioridades.
Uma maior participação de gastos com a Previdência decorre do envelhecimento da população e da universalização dos direitos sociais básicos. Mesmo assim, os gastos não-previdenciários não foram significativamente afetados pelas maiores necessidades de financiamento da Previdência. Eles alcançaram cerca de R$ 28 bilhões em 1995, valor 25% maior do que o registrado dez anos atrás.
Na média dos respectivos mandatos, os valores aplicados até agora pelo atual governo em outros programas que não a Previdência são mais ou menos equivalentes ao de seus antecessores (cerca de R$ 30 bilhões).
Terceiro, a comparação relevante é a do período do mandato e não apenas um ano de cada administração. No governo Collor, o ano de 1990 foi aquele em que as receitas federais beneficiaram-se do ingresso extraordinário de recursos provenientes do confisco das contas bancárias e da permissão para que contas bloqueadas fossem usadas para pagar impostos em atraso, proporcionando recursos adicionais naquele momento para sustentar o aumento do gasto, impulsionado pelo aumento do funcionalismo concedido no final de 1989.
Nos anos subsequentes, o gasto do governo Collor na área social despencou, de tal forma que a média obtida em sua administração foi de apenas R$ 62 bilhões, muito inferior à obtida pelas que a sucederam.
Quarto, é preciso cuidado na forma utilizada para comparar a evolução do gasto. A utilização de valores per capita pode ser de mais simples entendimento, mas representa uma impropriedade metodológica que distorce as conclusões.
A maior parte dos programas sociais tem clientelas definidas, cujo tamanho e composição mudam com as transformações demográficas que acompanham a dinâmica do desenvolvimento. Assim, o envelhecimento da população -um fenômeno já marcante na demografia brasileira- requer uma expansão muito mais rápida nos programas voltados para faixas etárias mais altas da população que os que dirigem-se ao público infanto-juvenil.
Isso explica, por exemplo, a tendência ao aumento da importância dos gastos com a Previdência e a saúde, vis-à-vis os gastos com educação e assistência à maternidade e à infância.
Há ainda que considerar o aspecto redistributivo. O aumento no gasto com a Previdência Social, que responde a direitos inscritos na Constituição de 1988, com respeito à preservação do valor real dos benefícios previdenciários e garantia de renda mínima para idosos e deficientes, beneficia diretamente a população mais pobre e atende, assim, ao objetivo de melhorar a distribuição dos benefícios do gasto social.
O mesmo ocorre com programas de ensino fundamental e de merenda escolar que voltam-se essencialmente para a população mais pobre, mas não com o programa de ensino superior. Na avaliação do mérito de mudanças na composição do gasto social, considerações redistributivas também precisam ser devidamente contempladas.
Em suma, a dinâmica social e a nova realidade político-administrativa do país não permitem extrair conclusões negativas com base em uma leitura apressada dos dados. A recomposição do gasto social nos anos 90, iniciada no governo Itamar e prosseguida na administração Fernando Henrique, não deixa margem a dúvidas com respeito ao esforço que vem sendo realizado nessa área.
Conforme assinalado inicialmente, em comparação com a média do período 90/92 o total dos recursos orçamentários federais aplicados na área social em 1995 registrou um incremento de cerca de 30%. Alterações na estrutura do gasto precisam, pois, ser analisadas à luz dos fatores que as explicam, não podendo ser tomadas como indicativas de mudanças nas prioridades sociais.

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