São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Primeiro submarino era movido à manivela

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Primeiro submarino era movido a manivela
Barco da Guerra Civil Americana foi localizado por arqueólogos
O primeiro submarino bem-sucedido da história foi encontrado na lama ao largo do porto de Charleston, Carolina do Sul, nos Estados Unidos. A descoberta foi anunciada este ano.
Movido pela força de oito homens girando manivelas, o Hunley foi o primeiro submarino a afundar um navio em combate, durante a Guerra Civil Americana (1861-1865).
O submarino fazia parte da Marinha dos Estados Confederados da América (os Estados sulistas) e afundou um navio dos Estados Unidos da América (nortistas).
O barco agora está sendo responsável por um novo conflito. A descoberta da embarcação de 10 m de comprimento abriu uma discussão sobre o que fazer com ele -trazê-lo à tona ou apenas estudá-lo com instrumentos?
Sepultura
O Hunley foi a sepultura dos seus primeiros tripulantes. Seus nove homens morreram durante sua única missão de combate, e ainda devem estar a bordo.
Ficar sob a água parece ser uma vocação do Hunley. Morreram mais marinheiros testando e operando essa nave experimental do que na sua única missão de guerra.
O nome Hunley é uma homenagem a um de seus projetistas, Horace Hunley, que morreu em um dos testes de mergulho de sua criação. Não foi o único. O submarino afundou quatro vezes -a última delas destruindo o navio de guerra do governo federal americano, USS Housatonic.
Depois de alguns testes finalmente bem-sucedidos, os confederados o enviaram para Charleston para atacar os navios do Norte que bloqueavam o porto. Comandado por George Dixon, ele atacou o Housatonic em uma noite de luar. Para evitar riscos de outro acidente, se decidiu atacar de noite, com o Hunley semi-submerso.
Ataque misterioso
A água era razoalmente rasa, cerca de 9 m de profundidade. O Housatonic afundou, mas assentou no fundo, e a grande maioria de sua tripulação pôde se salvar subindo nos mastros que ficaram para fora d'água. Morreram apenas cinco marinheiros que estavam perto do local da explosão.
Durante muito tempo se achou que o Hunley tinha sido levado para o fundo enganchado no Housatonic, mas relatos em documentos pesquisados por Newel indicam que Dixon chegou a fazer sinais luminosos com uma lanterna relatando a façanha. Pode ter sido seu azar, pois é provável que o Hunley tenha afundado depois que ele abriu a escotilha e o barco se encheu de água. O mistério durou até a descoberta do submarino.
Duas outras embarcações da Guerra Civil servem de modelo à pesquisa. Em 1965, o couraçado fluvial USS Cairo foi retirado do rio onde fora afundado por uma mina explosiva 102 anos antes.
Nos anos 80, foram encontrados, também ao largo da costa atlântica dos EUA, os restos do USS Monitor, o pioneiro dos encouraçados fluviais, e participante da primeira batalha naval entre navios de ferro. Afundado em acidente em 1862, está em mau estado, e não se cogitou em trazê-lo à tona.
Polêmica
"O Hunley deve ser trazido à tona, pois corre risco de danos e de ser saqueado por caçadores de tesouros se for deixado onde está", disse à Folha o arqueólogo Mark Newell, que achou o submarino depois de uma busca de 23 anos com ajuda do escritor de best sellers Clive Cussler.
A ajuda foi importante para localizar o Hunley no fundo do mar desde a noite de 17 de fevereiro de 1864, mas foi a origem de vários problemas. Curiosamente, Cussler é autor de um romance no qual se busca trazer à tona nada menos que um transatlântico -o famoso Titanic, que afundou em 1912 ao bater em um iceberg, matando mais de 1.500 pessoas.
Nos anos 80, ele se pôs a procurar velhos cascos de navios perto de Charleston usando um magnetômetro, um aparelho que mede as anomalias no campo magnético terrestre causadas por grandes objetos de ferro.
O escritor caçador de tesouros voltou a pesquisar na área a partir de 94, a pedido da Universidade da Carolina do Sul. Demorou um pouco, mas um de seus achados foi o pequeno submarino, com ajuda de Newell, que sugeriu o melhor ponto para pesquisar.
Depois houve o problema: na ânsia de checar se aquele resto de naufrágio era de fato o Hunley, um mergulhador contratado por Cussler retirou parte da lama em torno. Isso pode ter causado dano ao frágil casco de metal, provavelmente corroído pela água do mar.
Newel reclama que Cussler quis ficar com a glória da descoberta, enviando os mergulhadores antes de o pessoal da universidade estudar o naufrágio com sonares.
O resultado foi a entrada de outros na história. O governo dos EUA quer proteger algo que é patrimônio de sua história.
Uma equipe federal do Serviço Nacional de Parques, liderada pelo pesquisador Dan Lenihan, está agora investigando o achado com sonares de alta precisão.
O sonar é um equipamento capaz de localizar objetos submarinos através do eco de ondas sonoras. Foi criado pelos britânicos no final da Primeira Guerra Mundial como um meio de detectar submarinos alemães, mas também serve para mapear o fundo oceânico, e no caso, uma versão sofisticada do aparelho acoplada a computador pode fazer mapas tridimensionais até mesmo do objeto sob a lama.
Newell sugere trazer à tona todo um bloco de lama onde está a embarcação, para que ela não sofra danos e o estudo possa ser feito em condições de laboratórios em terra.
O debate envolve um dos pontos centrais na evolução da arqueologia. Muitas vezes, uma escavação arqueológica destrói, ou pelo menos modifica, aquilo que pretende estudar. Escavações feitas no começo do século, por exemplo, destruíram com pá e picareta dados que seriam úteis a pesquisadores atuais equipados com instrumentos modernos, capazes de deduzir informações de pistas antes irrelevantes, como grãos de pólen ou a composição química do solo.

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