São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Homossexualismo às claras

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Os negros nos EUA tiveram que lutar durante cerca de 200 anos até verem seus direitos civis respeitados. Os homossexuais talvez consigam o mesmo em 30 ou 40 anos.
Esta foi a avaliação feita por Andrew Sullivan, autor de "Praticamente Normal", livro lançado esta semana no Brasil pela editora Companhia das Letras, em entrevista exclusiva à Folha.
Sullivan, 32, deixou na sexta-feira a direção editorial do semanário político "The New Republic", que exerceu por cinco anos. O motivo da renúncia foi o desejo de se dedicar mais a projetos individuais de livros. A decisão foi tomada depois que Sullivan, homossexual, soube ser portador do vírus HIV. Ele não está doente.
"Praticamente Normal" vendeu 40 mil cópias nos EUA, foi editado na Alemanha, Itália, França e Reino Unido antes do Brasil e em todos esses países foi recebido com reações mistas pela comunidade homossexual.
Nele, Sullivan defende a tese, contestada por muitas entidades gays, de que o Estado não pode impor à sociedade a tolerância ao homossexualismo. "Se uma empresa privada quer ser injusta e estúpida e negar acesso a funcionários homossexuais, eu não acho que o governo possa puni-la. Ela será punida pelo próprio mercado pelo desperdício de talento que ela pratica", diz ele.
O "direito de discriminar" deve ser garantido numa sociedade livre, por mais odioso que seja. Mas não na esfera pública, argumenta Sullivan, porque quem sustenta suas atividades são todos os cidadãos, inclusive os homossexuais.
Assim, ele acha que as Forças Armadas não podem recusar acesso aos homossexuais. Nem as escolas públicas. Com o mesmo raciocínio, Sullivan acha que o casamento de pessoas do mesmo sexo deve ser reconhecido pelo Estado.
Embora diga acreditar que a sociedade norte-americana ainda não está pronta para aceitar o casamento homossexual, Sullivan acha que a única maneira de persuadi-la é começar a argumentar já. "Estamos num processo, que tem sido muito rápido. Em 1989, escrevi um artigo para 'The New Republic' em defesa do casamento homossexual. Ele foi considerado bizarro. Agora, o Havaí está prestes a legalizar o casamento homossexual e o tema faz parte da agenda política nacional", afirma.
Sullivan diz concordar com os argumentos do filósofo Richard Rorty, da Universidade de Virginia, para quem é errado usar o argumento de que os homossexuais têm "direitos naturais" com o objetivo de garanti-los. Rorty diz que os negros conquistaram os seus com um apelo moral à sociedade, um apelo à fraternidade. Sullivan diz que foi isso que tentou fazer com seu livro.
"Meu ponto é que o respeito aos direitos dos homossexuais é bom para a sociedade como um todo. Por exemplo, o casamento. Ele é uma instituição que beneficia todo o público: promove a vida em família, torna as pessoas mais felizes, estimula a cooperação. Como não permitir que ela seja acessível a todos os cidadãos?", pergunta.
Sullivan, que nunca esteve no Brasil, mas manifesta o desejo de ir para discutir seu livro, diz não conhecer muito sobre o movimento homossexual brasileiro. No entanto, acha o debate sobre a questão homossexual particularmente importante em países com predomínio católico, como o Brasil. O católico praticante Sullivan diz esperar que seu livro "ajude a destruir a noção de que para ser católico é preciso ser homofóbico".
Estudioso de teologia, ele afirma que a doutrina católica tem muitas contradições quando trata da questão homossexual. "A Igreja quer, ao mesmo tempo, garantir a dignidade humana do homossexual mas condenar sua atividade sexual. Ao proibir o casamento que não possa gerar filhos, a Igreja reduz a vida em comum ao sexo. O que deveria um casal fazer quando não está praticando sexo? Nada?".
Sullivan tem sido um astro do jornalismo norte-americano. Britânico, radicado nos EUA desde 1984, ele assumiu o controle da "The New Republic", uma das mais tradicionais revistas de esquerda do país, e lhe deu uma linha muito mais conservadora.
Na sua gestão, a revista cresceu um pouco em circulação paga (cerca de 5%) e muito em faturamento publicitário (em torno de 75%). Também reconquistou espaço como agente provocador de grandes debates. "O que eu amava no meu emprego era a oportunidade que eu tinha de ajudar a fermentar idéias nesta sociedade, em que isso é possível. Na Inglaterra, assuntos como o homossexualismo nunca são discutidos às claras. Aqui, não, tudo é aberto".
Sullivan vai continuar na "The New Republic" como editor-sênior. Mas a maior parte de seu tempo será dedicada a livros. O primeiro na lista é uma coletânea de ensaios sobre o casamento homossexual. Depois, virá um sobre diversos tipos de amizade.
Desde que anunciou sua renúncia, em 12 de abril, Sullivan vinha recusando as dezenas de pedidos de entrevistas que vinha recebendo. A que deu à Folha foi a primeira nesses 45 dias.
Ao terminá-la, ele disse achar importante que o debate sobre a questão homossexual em qualquer lugar seja mantida no máximo nível de racionalidade possível. "É preciso quebrar o silêncio. Mas é indispensável fazê-lo de maneira razoável."

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