São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Parangolés e o léxico ouriçado

WALY SALOMÃO

"Qual é o parangolé?" era uma expressão muito usada quando cheguei da Bahia para viver no Rio de Janeiro, e significava, dentre outros sentidos mais secretos, "o que é há?", "o que é que está rolando?", "qual é a parada?" ou "como vão as coisas?". Somente para marcar a plasticidade dinâmica da língua: alguém indagar "e as coisas?" na gíria carioca de então não significava preocupações físicas, alquímicas ou filosóficas, mas muito simplesmente uma interrogação sobre o que hoje atende pela poética alusiva de "fumaça-mãe", "pau-podre", ou seja, designa o mesmo que o étimo oriundo da língua quimbundo dos bantos angolanos: maconha (Cannabis sativa).
A gíria funciona como meio de driblar a dura realidade, um "nheengatu" (do tupi: "língua boa, língua de índio, língua correta", segundo "Vocabulário Tupi/Guarani/Português", de Silveira Bueno), uma forma de falar a "língua geral", inventando compartimentos, lajes, esconderijos, malas de fundo falso, tabiques, puxadinhos, biombos que não passem pela mediação da sociedade que os acossa. A gíria instalando um ambiente escondidinho-penetrável: é o verbo em ereção, uma tonalidade sugestiva da fala, o léxico ouriçado. O não plenamente articulado nem desarticulado, o não sistêmico: o poder da sugesta.
Não sendo de início senão um ser linguístico, hoje em dia o nome PARANGOLÉ sumiu da gíria do morro e fixou residência nestes objetos anti-stabiles. Mas algo misterioso de sua vida anterior volátil -um avião, Ícaro, ou um Ovni qualquer-, um feitiço fugaz, uma firula, uma propensão gingada para dribles e embaixadas, aparece, agita e serve como acionador de seus giros. Descoagulação e fluidez de sentido.
O brutalista PARANGOLÉ de HO nasce da constatação da contingência, nada tem de decorativo ou polido. Surge de uma vontade de apreender o sentido bruto do mundo em seu nascedouro. Cumplicidade e simbiose com as agruras e a volta por cima daqueles que na metáfora geométrica constituem a base da pirâmide social. Daqueles que vivem, o mais das vezes, de bicos, de bocas, de expedientes, de sub-empregos, de camelotagem.

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