São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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A classe operária vai à Internet

GILBERTO DIMENSTEIN

As vitrines das lojas no próximo Natal em Nova York ou Miami vão exibir uma ótima novidade para os brasileiros -não apenas os endinheirados, mas, em especial, os pobres.
Vai estar à disposição, com abundância de modelos, um computador que custa apenas US$ 500, anunciado semana passada, em San Francisco, por consórcio de gigantes da informática.
A grande revolução da era digital é, agora, a redução de um dígito no preço, democratizando em proporções jamais vistas o acesso à informação.
Já se fala que, no futuro, vai ser dado de graça. O usuário pagaria apenas pelos serviços oferecidos. Maluquice? É o que já acontece, hoje, nos Estados Unidos, com o telefone celular; em alguns planos, paga-se apenas pela linha.
Estou convencido de que, ao baixar de preço, o computador, conectado às redes de dados, é um extraordinário instrumento para se reduzir com mais rapidez e menores custos a miséria e a ignorância.
É uma contribuição involuntária do Primeiro Mundo ao Terceiro Mundo.
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Dou um exemplo imediato. O presidente Fernando Henrique Cardoso destinou R$ 500 milhões (um terço do valor do Sivam) para instalar computadores nas escolas públicas.
Tem a chance, agora, de adquirir máquinas mais baratas e triplicar o número de salas atendidas.
PS - Aliás, se ele gastar essa fortuna sem considerar a possibilidade de adaptação dos novos computadores baratos vai assinar com a própria mão requerimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
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São intermináveis os recursos para reduzir a exclusão social pela informática; muitos deles já testados por educadores americanos e com sucesso.
Pela rede, os alunos estão habilitados a usar jogos que ensinam matemática, português, história ou ciências, recebendo orientação.
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As universidades dariam suporte on-line para reciclagem de professores de remotas cidades do interior.
Os professores teriam acesso por Internet a artigos e livros, consultando bibliotecas em qualquer parte do mundo; coisa impensável hoje devido aos salários indecentes.
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Professores vivem reclamando que não compram jornal por causa do preço.
Por dispensar papel, transporte ou correio, o jornal eletrônico vai custar muito menos.
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As mesmas facilidades se aplicam à saúde -e, mais uma vez, os americanos têm toneladas de experiências bem-sucedidas.
As faculdades de medicina e organizações não-governamentais nos EUA fazem gratuitamente consultas on-line.
Mais: especialistas também dão seu tempo para ajudar pacientes desesperados com doenças raras.
Imagine como iria melhorar a vida nas cidades brasileiras sem hospitais. Ou, pelo menos, para evitar as filas nas grandes cidades.
Bastaria conectar os centros de saúde com um hospital ou faculdade.
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Os agentes de saúde poderiam andar com um microcomputador na sacola, ligado à rede. Resolveriam no ato as doenças mais comuns por meio da consulta com algum médico.
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Até mesmo tratamento psicológico seria fornecido para identificar doenças como depressão ou ansiedade.
Em Nova York, uma consulta num psicólogo ou psiquiatra custa, por hora, US$ 125; on-line, apenas US$ 20,00. Casos mais graves, óbvio, exigiram atendimento personalizado.
Sem contar que, pela rede, já existem inúmeros programas gratuitos de ajuda a pacientes com doenças mentais e grupos on-line para troca de experiências.
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Existem poucas desculpas para o Brasil, com tamanha riqueza, ostentar essa taxa de miséria. A tecnologia apenas mostra que essas desculpas, em geral esfarrapadas, são ainda menores agora.
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Estive semana passada no Brasil; é a quinta vez em seis meses. A cada vez sinto o humor do brasileiro pior. Fernando Henrique Cardoso está apanhando por uma série de motivos.
Em parte, são problemas herdados ou inevitáveis: a baderna partidária, que dificulta tomada de decisões e estimula a barganha indecente; fim do encantamento com a inflação baixa; os efeitos da globalização e, por consequência, os abalos na indústria, principalmente em São Paulo, importante formador de opinião; a necessidade de esfriar a economia e não aquecer os preços.
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Outra cota é incompetência exclusiva do governo: as intrigas ministeriais; ministros em campanha eleitoral; o injustificado debate da reeleição; pouca eficiência em projetos sociais; demora em montar um esquema de articulação no Congresso.
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Impressionante mesmo é a incompetência na comunicação. Uma inflação projetada de 7.000% ao ano caiu para 15%, com crescimento da economia; aumentaram o consumo de alimentos e os investimentos diretos; subiu o valor médio dos salários; o salário mínimo quase dobrou.
Mesmo assim o governo está perdendo a guerra da opinião pública e consegue ficar acuado, perdido até, diante da pressão inflacionária do baronato e de dirigentes sindicais.
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PS - Novidade imobiliária: em Nova York, construtora oferece prédio de apartamentos com o inédito atrativo de uma veloz conexão com a Internet.
Sucesso total.

E -mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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