São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Em que manifestações de poder atuais se pode identificar traços do que Deleuze caracterizou como sendo a "sociedade de controle"?

Michael Hardt
"A sociedade de controle deveria ser identificada antes de mais nada com a atual crise das instituições sociais -a crise da família, a crise da fábrica, a crise da prisão etc. A partir do trabalho de Michel Foucalt, Deleuze delimitou os espaços em que as lógicas disciplinares de cada instituição se aplicavam: na prisão, em que nós estávamos sujeitos a uma lógica disciplinar -que também nos formou; na fábrica, outra lógica disciplinar; na família, outra; e assim por diante. A isto Foucault chamou de sociedade disciplinar. A crise contemporânea das instituições, entretanto, implica que os muros que previamente delimitavam o espaço social destas instituições estão se desintegrando. Neste processo, as lógicas disciplinares não desapareceram, em vez disso, elas se generalizaram por todo o campo social, não mais no espaço limitado das instituições. Por exemplo, a lógica capitalista do regime da fábrica é exercitada não apenas dentro dos muros da fábrica, mas por toda a sociedade (aumentando nas formas de trabalhos precários ou não-integrais). O mesmo processo de generalização tende a ser verdade para a lógica da prisão, a lógica familiar e outros regimes disciplinares. A sociedade de controle é, portanto, melhor entendida não em oposição à sociedade disciplinar, mas como uma disciplina elevada a um poder mais alto, aumentada exponencialmente por meio de novas formas mais móveis e fluidas."

Frederic Jameson
"A crescente estandardização no mundo dos objetos; mas eu também acho que nós precisamos aprender a usar os lados positivos e as forças do Estado."

John Rajchman
"A questão de 'formas de poder' apropriarem-se dos novos conflitos e das novas 'pessoas' nestas sociedade é, ao mesmo tempo, uma questão da própria natureza 'do político'. Foucault pensava que o padrão básico da moderna racionalidade política era aquele do 'warfare-Welfare State'. Há agora, porém, uma crise, uma problematização deste Estado -de sua identidade 'nacional' e da ligação que ele implica entre governo e transformação. Acho que é isso que Deleuze tentava apreender em seu ensaio sobre as 'sociedades de controle'. A idéia de Deleuze era então que nós não podemos mais fazer um 'mapa disciplinar' nem, portanto, uma solução na linha do 'Welfare' para 'aqueles muito pobres para contrair dívidas, muito numerosos para serem assimilados', que são a marca vergonhosa daquilo em que nossas agradáveis sociedades de informação global estão se transformando. Nós não sabemos o que fazer com 'a nova pobreza', nem com os tipos de violência que ela provoca. A velha solução do 'Welfare State' vem em resposta para novos movimentos, novas batalhas. Talvez o que nós precisemos atualmente seja reinventar tal 'movimento' em formas apropriadas a uma era marcada pelas 'mesquinhas' info-sociedades globais, das quais Deleuze começou a analisar os tipos de controle.

Eric Alliez
"A análise que Deleuze propõe da passagem das 'sociedades disciplinares' para as 'sociedades de controle' visa trazer à luz as formas que adquirem a substituição acelerada de um capitalismo de circulação e de comunicação para o capitalismo de produção centrada na exploração apenas do trabalho industrial assalariado (a fábrica era o paradigma dos meios de confinamento). As mutações tecnológicas da idade da informatização planetária são assim relacionadas a uma mutação do capitalismo (um hipercapitalismo de serviços) que não poderia se servir de outro discurso de legitimação senão daquele, puramente horizontal, do mercado (do neoliberalismo esclarecido ao anarco-capitalismo iluminado: o da Internet...), de outra prática de dominação senão aquela, puramente imanente, do controle social por um marketing universal em variação e modulação contínuas (com os 3 M comandando a suposta Nova Ordem Internacional: Monetária, Midiática e Militar). O que se coloca então em escala planetária é um regime de empresa do qual seríamos todos, a um título ou outro, gerentes em interação constante... Regime essencialmente precário, pois se concordará em pensar que o reino conjugado do cinismo e do infantilismo -estas duas características do discurso da pós-modernidade- não saberiam em caso algum esgotar o poder constituidor das novas formas de conexão entre saber e produção social."

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