São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Que situação atual demanda com mais urgência as idéias de Deleuze?

David Lapoujade
"Não se pode responder uma questão como esta sem primeiro estabelecer um diagnóstico. Para Deleuze, parece que este diagnóstico provém de um sentimento ao mesmo tempo filosófico e imediatamente político, ou melhor, de um sentimento que faz com que a filosofia seja imediatamente política: a vergonha de ser um homem. Nós não o experimentamos apenas diante das atrocidades nazistas, diz Deleuze em um de seus mais belos textos, mas 'nas condições insignificantes, diante da baixeza e da vulgaridade da existência que assombra as democracias, diante da propagação destes modos de existência e de pensamento-para-o-mercado, dainte dos valores, dos ideais e das opiniões de nossa época. A ignomínia das possibilidades de vida que nos são oferecidas aparecem de dentro. Nós não nos sentimentos fora de nossa época, ao contrário, nós não cessamos de tecer com ela compromissos vergonhosos'.
Este diagnóstico sombrio é inseparável do prodigioso trabalho conduzido com Félix Guattari, sobretudo em 'Mil Platôs', para introduzir positivamente novos modos de existência por sobre linhas de fuga e as minorias que atravessam as sociedades, os Estados, e que são tantos atos de resistência, de máquinas de guerra contra as poderosos movimentos de uniformização, de homogeneização. Sem dúvida, Deleuze e Guattari não acreditavam na liberdade do homem (mesmo se ela se encontra nos 'Direitos'), mas sobretudo na liberação, no homem, de novas possibilidades de vida."

Frederic Jameson
"O seu trabalho atuou como uma ideologia da política da diferença atual; diria que ele também foi um filósofo da história muito importante e que, após sua impressionante análise do capitalismo, seria muito interessante ver sua teorização do capitalismo tardio e da globalização."

Michael Hardt
"Como no caso de qualquer outro grande filósofo, as idéias de Deleuze são e continuarão a se fazer úteis para pensadores que trabalham com um largo espectro de temas -até mesmo, ou especialmente, aqueles assuntos que Deleuze não tratou diretamente. Estou particularmente interessado agora no seu trabalho em colaboração com Félix Guattari sobre a ordem no mundo contemporâneo. Chamo isso de império da ordem do mundo contemporâneo (distinto dos antigos imperialismos europeus) para marcá-lo como uma fase em que tanto o capitalismo quanto os mecanismos de dominação cultural, político e militar se tornaram verdadeiramente globais.
O trabalho de Deleuze e Guattari lida extensivamente com os modos fluidos e móveis pelos quais o poder se expande sobre o campo social, em cada região e globalmente. Um de seus principais interesses é explorar como a subjetividade é produzida por intermédio dos mecanismos de poder: em outras palavras, como nós nos produzimos por meio de nosso trabalho, de nossas práticas sociais, nossa interação com instituições e assim por diante.
A produção da subjetividade é uma chave para o entendimento dos mecanismos contemporâneos de poder, e a hipótese de Deleuze da 'sociedade de controle' é uma tentativa de caracterizar sua forma corrente."

François Zourabichvili
"O que importa sempre, para Deleuze, é 'fazer fugir' uma situação, qualquer que seja. É nestas condições que as pessoas podem viver, porque sua vida está então em devir (ao contrário, o conservadorismo, liberal ou social-democrata, impede o devir por meio da memória; o fascismo conduz o devir a caminhos suicidas; o bolchevismo aterroriza o devir por meio de mutações extrínsecas e forçadas). 'Fazer fugir' não é uma operação arbitrária: sem dúvida, destruição e desestabilização intervêm, mas apenas a título de consequências ou de concomitâncias. 'Fazer fugir' ou devir é questão de percepção: ocorre que as pessoas 'reencontram', no sentido forte, suas condições de existência nas condições de uma percepção nova que modifica sua sensibilidade e subverte a repartição de seus afetos. A situação, ou ao menos alguma coisa na situação, torna-se então intolerável: a nova sensibilidade se realiza numa luta que disso extrai sua necessidade, luta por condições sociais inéditas que Deleuze chama de 'devir-revolucionário'.
Por exemplo, Maio de 68 remetia a uma situação definida por um conjunto de meios fechados (família, escola, caserna, fábrica, hospital...) e testemunhava uma nova sensibilidade ao enclausuramento. A situação mudou, explica Deleuze, e se caracteriza agora pelo 'controle', ao ar livre. Ocorrerá uma nova mutação subjetiva, da qual não se podem prever as modalidades: quando as pessoas, não mais criticarão, mas perceberão o intolerável do controle. Ora, nós toleramos ainda o controle..."

Eric Alliez
"Mas a situação do mundo enquanto tal, vejamos... este mundo que considera como universal apenas o capitalismo... Este mundo que nos faz viver com um sentimento constante de vergonha.
Este mundo que fez Deleuze escrever esta frase terrível: 'O próprio pensamento mesmo está às vezes mais próximo de um animal que morre que de um animal vivo, mesmo democrata...' "

John Rajchman
"Há um bom número de temas atuais em que o trabalho de Deleuze pode intervir. Um de que eu tenho me ocupado é o da natureza do espaço arquitetônico e urbano. Outra importante intervenção pode também ser feita na área das 'novas tecnologias'. Deleuze tinha uma idéia muito intrigante sobre o cérebro, que pode ser usada para retrabalhar todo o debate envolvendo a 'inteligência artificial' e a natureza das 'máquinas inteligentes'. Acho que somos hoje uma sociedade obcecada com nossos cérebros cognitivos assim como fomos antes com nossos 'comportamentos'; um darwinismo cognitivo tomou o lugar de um behaviorismo disciplinar. Algo que Deleuze sugere que façamos pelo nosso cérebro é oferecer alguma resistência a essa idéia."

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