São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Médico vasculha a mente de psicopatas

MARCELO GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Vozes, delírios, impulsos e possessão espiritual são os motivos das mortes de namoradas, prostitutas, amigos, desconhecidos, pais e filhos. Os assassinos esfaqueiam, atiram ou injetam veneno.
Assim, o livro "Loucura e crime" (Fiuza Editores, 238 páginas, R$ 30), lançado pelo psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, descreve 22 casos em que a insanidade provocou delitos. Em 20 anos, Palomba analisou 7.000 casos.
Um deles é o do vendedor P.J., acusado de matar nove prostitutas e travestis. O último dos crimes de que era acusado correu em 1992.
Uma prostituta entrou no carro de P.J.. Ele levou-a a um terreno e desceu do veículo. Súbito, agarrou-a e golpeou-lhe a cabeça com a trava de direção. Desmaiada, jogou álcool e pôs fogo na mulher.
Em casa, tentou dormir, mas lembrava a cena. "Na hora, vem a vontade que não posso controlar."
"Fronteiriços"
Alguns dos criminosos do livro são "fronteiriços", estão entre a loucura e a lucidez, têm consciência do que fizeram, não sentem remorso e nenhuma ou pouca emoção pelo destino das vítimas.
Em outros casos, são delirantes, têm alucinações, escutam vozes, sentem-se perseguidos e matam como se estivessem agindo em legítima defesa. A realidade é o delírio e a alucinação, o que impede que tenham consciência do crime.
"A maioria das pessoas que têm algum distúrbio mental não é agressiva. Não podemos estigmatizar os loucos", diz Palomba.
O livro preserva o nome dos presos. Alguns estão mortos. Outros, no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha (Grande São Paulo) ou na Casa de Custódia de Taubaté (SP). Poucos foram soltos.
Sacos de batata
Impressionam os relatos feitos pelos acusados. R.P. diz que matou os pais e os três irmãos como se estivesse atirando em "sacos de batata". D.M.B. afirma que injetou veneno, em vez de remédio, em uma amiga por impulso. Depois, descansou e saiu com a namorada.
D.M.B. arrepende-se não do crime, mas de um erro. "Diz que se tivesse de voltar atrás não jogaria o corpo no bueiro e atearia fogo. Diz que poria a vítima no carro, bateria num poste e atearia fogo, convicto que, agindo assim, não seria descoberto", relata o psiquiatra.
Adiante, há o caso do filho que ateou fogo na mãe por causa de uma vontade irresistível. Pegou uma garrafa de álcool, encharcou a mãe e riscou o fósforo. "Não sei por que fiz, nós nem havíamos brigado. Uma coisa é certa: eu queria ficar sozinho."
Aos 13 anos, José M., o autor desse crime, queimava papéis e pequenos objetos. "Sempre com raiva." Quase pôs fogo na casa.
Adolescente, tornou-se dependente de calmantes e xaropes. A mãe foi internada várias vezes vezes em hospitais psiquiátricos e um avô morreu no Juqueri.
Santa
Há os que matam por causa de alucinações e de delírios místicos. É o caso de Pedro Tadeu, que pôs fogo na tia em 1990 para purificá-la. Vozes diziam-lhe que ela era uma santa e que, portanto, devia ir para um "bom lugar".
O delegado Marco Antônio Desgualdo, 46, 18 anos investigando assassinatos, relato o caso do estudante de engenharia M.A.S., acusado de matar uma família na zona norte de São Paulo em 1990.
M.A.S. esperou o vizinho sair para comprar leite. Entrou na casa, matou-o a facadas e afogou a mulher e os três filhos. Lavou os corpos e envolveu-os em lençóis. Em seguida, comeu um mamão.
Os vizinhos causariam as suas alucinações. "Quando o prendemos, achamos uma lista das próximas vítimas", afirma Desgualdo.

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