São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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A quebradeira e os deuses do Olimpo

ALOYSIO BIONDI

Duas das principais empresas do setor de alimentos, Sadia e Ceval, anunciaram prejuízos nos balanços do primeiro trimestre. Motivo: consumo abaixo das previsões, para frangos e seus derivados industrializados.
De março para cá, a situação piorou: em maio último, as indústrias do setor começaram a cortar turnos de trabalho em suas fábricas, para reduzir a oferta de presuntos, salame e companhia (todas aquelas iguarias que os pobres estão consumindo à larga no Brasil, segundo o noticiário oficial).
No primeiro trimestre, as principais siderúrgicas brasileiras, da Belgo à Cosipa, sofreram violenta queda nos lucros, ou enfrentaram prejuízo. Motivo: retração no mercado interno. No externo, guerra de preços.
E o setor eletroeletrônico, para o qual se noticiam frequentes recordes de vendas? Está concedendo 210 dias para o comércio pagar as encomendas. Se não cobra juros, perde. Se cobra, perde o comércio.
Não é possível dissecar a situação de outros setores, por limitações de espaço. Mas a lista de exemplos é suficiente para demonstrar que a economia brasileira já está em plena fase de gestação de "quebradeiras" de empresas. Pior: ao mesmo tempo, o país desemboca em um período de inflação com recessão. A saída? Devolução do poder aquisitivo ao consumidor e retomada do investimento público.
Fio da navalha
O Brasil passa a viver um fenômeno que os economistas chamam de "estagflação", isto é, recessão com inflação, o que é simples de entender.
Quando o governo adota políticas recessivas para combater a inflação, numa primeira etapa as empresas tentam driblar a retração no consumo mantendo preços ou mesmo reduzindo-os (para não perder fatias do mercado).
A partir de certo momento, os preços dos produtos não cobrem os custos, e manter o nível de produção significa aumentar os prejuízos. Qual a saída para as empresas? Aumentar os preços, vender menos, cortar a produção -para "economizar" nos custos variáveis (matéria-prima, energia, mão-de-obra).
Para a economia como um todo, isso significa mais inflação (pelo reajuste dos preços), com mais recessão (corte na produção e desemprego).
Mesmo a redução nas vendas e na produção, porém, é um remédio "temporário" para a doença das empresas. Por quê? É preciso que a produção "restante", ao ser vendida, traga um faturamento que cubra, pelo menos, os "custos fixos" das empresas, isto é, aqueles que são sempre os mesmos, independentemente de aumentos ou cortes na produção (exemplos: aluguéis, prestações de equipamentos, prestações de empréstimos etc.).
Quando a produção e o valor das vendas caem abaixo do nível dos custos fixos, não há mais como fugir aos prejuízos. É a quebra na certa.
Otimismo doentio
Dois terços, ou 66% das microempresas, já chegaram a esse ponto, isto é, de faturar apenas o necessário para cobrir os custos fixos -segundo levantamento divulgado pelo sindicato do setor, em São Paulo. E há outros dados impressionantes sobre a destruição da economia brasileira, por todos os cantos.
Sobem as falências e o número de carnês em atraso. Caem a venda de máquinas agrícolas e do consumo industrial de energia.
Reajustes nos salários, aposentadorias e vencimentos do funcionalismo, devolvendo poder aquisitivo ao consumidor, poderiam mudar esse quadro. Mas o presidente FHC e sua equipe se comparam a "deuses" não compreendidos, e rejeitam qualquer correção de rumos. Insistem que está tudo ótimo no país. Visão do Olimpo, para azar dos mortais, empresários e trabalhadores, povão e classe média.

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