São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Em busca do islamicamente correto

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As mulheres do Islã não se acham reprimidas, é o que revela este esclarecedor "Nove Partes do Desejo", da jornalista australiana Geraldine Brooks, correspondente do "Wall Street Journal" nas Nações Unidas, que passou seis anos cobrindo o Oriente Médio.
Brooks conclui que, desde a Revolução Islâmica instituída pelo aiatolá Khomeini em 1978, as muçulmanas não só contribuem para o ressurgimento do fundamentalismo islâmico, como usam-no como bandeira de afirmação feminina contra o "Ocidente opressor".
Para jovens iranianas e xiitas libanesas, o xador é símbolo de libertação. Segundo Brooks, o uso do xador -manto que oculta os cabelos, cai da cabeça até os pés e é fixado em volta do queixo- tem o mesmo objetivo que o dos macacões de jeans da militante feminista americana Andrea Dworkin.
O feminismo muçulmano existe, embora cauteloso e atuando dentro de padrões "sunnat", ou seja, islamicamente corretos. Ele tenta adaptar os "hadith", ou revelações de Maomé, como base para leis que dêem conta das transformações do mundo atual.
As feministas muçulmanas defendem, por exemplo, que muitos textos sagrados do Islã foram mal usados e mal traduzidos de forma a justificar a repressão. Quando o Alcorão diz que os homens podem açoitar suas mulheres, as feministas argumentam que a palavra "dharaba" (açoitar) também significa "bater com uma pluma".
Os avanços são mais perceptíveis na política, com a eleição de mulheres para cargos públicos em vários países. No Irã, a filha do presidente Hashemi Hafsanjani, Faezeh Hashemi, encarregou-se de organizar os "Jogos Islâmicos Femininos", de que só participam mulheres e que só são assistidos por mulheres. Faezeh venceu a resistência dos líderes religiosos com o argumento de que o Ocidente interpreta a ausência das muçulmanas dos esportes como exemplo de que são tratadas como inferiores.
Um time de cavaleiras iranianas quer participar da Olimpíada de Atlanta usando "hijab", vestido longo e largo, que confina o corpo das muçulmanas, deixando de fora apenas as mãos e o rosto. Não pretendem se livrar do "hijab", mas inseri-lo no universo seminu dos esportes. A aspiração não implica, assim, necessariamente um passo em favor da libertação da oprimida mulher muçulmana, ela que, na Eritréia, por exemplo, ainda sofre mutilação sexual -extirpação do clitóris e dos lábios vaginais, que são depois costurados, ficando de fora apenas a uretra e um orifício para a menstruação.
Nas questões que envolvem os severos padrões muçulmanos de comportamento, os avanços emperram, muito embora, como diz a jornalista Brooks, a jurisprudência islâmica tente manter-se em dia com os dilemas sexuais modernos aplicando raciocínios ancestrais a circunstâncias contemporâneas.
Brooks escreveu um relato ao mesmo tempo pessoal e imparcial sobre as islâmicas. Sua conclusão, tirada de quem experimentou ver o mundo por detrás do véu, é a de que o estigma que recai sobre a muçulmana não é muito diferente do que carrega a mulher ocidental -"a noção da lascívia dificilmente controlável da mulher", origem de todas a repressão, quer no Irã, quer na Eritréia ou aqui.

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