São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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INSS deixa de cobrar R$ 2,2 bi em 4 anos

MARIO CESAR CARVALHO

MARIO CESAR CARVALHO; VIVALDO DE SOUZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Valor poderia ser obtido se o órgão seguisse a lei e fosse à Justiça contra empresas responsáveis

e VIVALDO BARBOSA
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deixou de cobrar R$ 2,2 bilhões de empresas responsáveis por acidentes de trabalho entre 1992 e 1995.
Equivale a mais de um terço dos R$ 6 bilhões que o ministro Adib Jatene (Saúde) quer arrecadar com o imposto do cheque. Ou 13 vezes o lucro da Votorantim em 1994.
Esqueça, momentaneamente, esse mundo rarefeito dos bilhões.
Em Osasco (SP), Américo Pinkovai recebe R$ 67,20 do INSS pela mão direita que perdeu na prensa. A prótese que o órgão lhe deu incomoda tanto quanto o miserê do contracheque. "Parece mão de boneca. Não dá para usar", diz.
Equação escandalosa
Os R$ 2,2 bilhões não cobrados e a "mão de boneca" de Pinkovai compõem o que Carlos Clemente, 40, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, chama de "equação escandalosa": "A área de acidente de trabalho do INSS é má pagadora, mas não cobra de quem deveria".
A cobrança está prevista na lei 8.213, de 1991. Ela determina que o INSS cobre de empresas culpadas por acidentes de trabalho os benefícios pagos a acidentados.
O raciocínio é o de qualquer seguradora: se uma indústria foi negligente e provocou queimaduras num operário, ela é que deve arcar com os benefícios, não o INSS. É a chamada ação regressiva.
Médicos e especialistas em acidentes estimam que as empresas são responsáveis por 70% dos acidentes. Basta aplicar esse percentual sobre os R$ 3,18 bilhões gastos com acidentados entre 1992 e 1995 para se chegar aos R$ 2,2 bilhões.
Segundo esse raciocínio, seriam passíveis de ação judicial 1.240.340 acidentes. Nesses quatro anos, porém, o INSS impetrou 18 ações contra empresas.
"A sociedade paga pelo mau patrão e ele fica impune", diz Sérgio Bueno, 48, superintendente do INSS (SP) até julho de 1995.
Em São Paulo, Estado responsável por 61,35% dos acidentes no país em 1995, não foi aberta nenhuma ação. Há um ano, Bueno encaminhou 47 casos ao Ministério Público Estadual para investigação, a maioria deles contra bancos. Foi demitido logo em seguida.
"É difícil provar que uma empresa foi culpada pelo acidente", diz Maria Brangati, 39, chefe da Procuradoria do INSS paulista, que espera entrar com as primeiras ações em agosto.
Em Brasília, a direção nacional do órgão diz não ter estrutura para apurar a responsabilidade dos acidentes, já que esse tipo de dado fica com o Ministério do Trabalho.
O ministério informa que os dados estão à disposição do INSS.
Sobra dinheiro
Não é por falta de dinheiro que o INSS não monta a estrutura para apontar responsabilidades.
Ano passado, o Seguro-Acidente de Trabalho arrecadou R$ 2,01 bilhões e teve superávit de R$ 530 milhões. É alimentado com descontos na folha de pagamento das empresas que vão de 1,2% a 3%, conforme a periculosidade.
"A área de acidente de trabalho deveria ter qualidade de Primeiro Mundo porque sobra dinheiro, mas está parada no século 19", diz o promotor de Justiça Leandro Pereira Leite, 35, que coordena as questões de acidente de trabalho no Ministério Público paulista.
A sobra é só teórica. O seguro cobre áreas deficitárias do INSS.
Já a comparação com o século 19 procede ao menos do ponto de vista estatístico. O órgão nem sabe qual é a categoria mais atingida em acidentes. Sem dados, como se sabe, não dá para prevenir.
Pesquisa feita em 1993 pela médica Maria Maeno Settini, 42, mostra que seria fácil a prevenção porque os acidentes se concentram em poucas empresas.
Na zona norte de São Paulo, 50% dos acidentes aconteciam em 10% das empresas. "Seria fácil baixar esse número. Basta ter prioridades e punir as empresas", diz Settini.

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