São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Ainda Dornbusch (3)

CELSO PINTO

O governo não nega os riscos que o modelo de estabilização pode trazer na área externa, como alerta o economista Rudiger Dornbusch. Alega, contudo, que está imune a eles. Será?
Brasília usa pelo menos quatro argumentos: a sobrevalorização cambial é pequena, pode ser compensada por ganhos de produtividade, a balança comercial está razoável e um buraco externo pode ser financiado por recursos estáveis.
O tamanho da sobrevalorização é uma questão controversa. No artigo de Dornbusch citado nas colunas anteriores ("Currency Crises and Collapses"), ele fala em defasagem de 15% no câmbio em julho do ano passado. Usou como medida a variação dos preços industriais (IPA).
Por este critério, a defasagem, hoje, continuaria em torno de 15%, pois o câmbio foi desvalorizado na mesma proporção do IPA desde julho de 95. Entre várias entrevistas e conferências, apenas uma reportagem, no "The Wall Street Journal", atribui a Dornbusch o cálculo de uma defasagem de 30% a 40%.
Mesmo considerando 15%, o problema, segundo Dornbusch, é que o Brasil ainda está em meio a reformas estruturais, com impacto negativo sobre o emprego. Como, a seu ver, o equilíbrio do modelo de ajuste brasileiro exige juros altos, o crescimento tende a ser duplamente afetado.
Ele jamais previu problemas imediatos, mas sua análise do tipo de modelo de ajuste brasileiro (ver colunas anteriores) indica que a direção é perigosa. Os ganhos de produtividade poderiam resolver o problema?
Ao comentar o artigo de Dornbusch, o economista-chefe do Banco Mundial (Bird), Michael Bruno, lembrou que, além dos casos de colapso de países que usaram âncora cambial para derrubar a inflação, lembrados por Dornbusch, existem os de sucesso, como Israel (85), Polônia (90) e Checoslováquia (91).
A explicação, diz Bruno, vem dos ganhos de produtividade gerados pelas reformas, mas também de dois outros fatores cruciais: o uso apenas temporário da âncora cambial, na fase inicial da estabilização, e o cuidado em não deixar o déficit externo em conta corrente crescer demasiado.
O teste, no caso brasileiro, só ficará claro quando a economia retomar um crescimento mais acelerado. Ninguém, nem o governo, sabe exatamente em que nível de equilíbrio as importações irão se acomodar. Se o preço de uma conta sustentável for um crescimento muito baixo ou um déficit externo muito alto, então os alertas de Dornbusch são mais do que válidos.
O argumento de que o buraco externo pode ser financiado por recursos externos de boa qualidade e protegido por reservas altas, é mais vulnerável. Em primeiro lugar porque, se o capital interno pode sair livremente do país, como é o caso do Brasil, o nível de reservas não é proteção absoluta: se houver uma crise séria de confiança, não só a poupança externa, mas também a interna vai migrar.
Além disso, a confiança dos mercados é ilusória. Há um "espírito de manada" (expressão de Keynes) no mercado financeiro que faz com que, para um banqueiro, seja melhor errar com os outros do que acertar sozinho. Foi o que fez os banqueiros colocarem rios de dinheiro na América Latina até a véspera da crise da dívida em 82 e da crise do México em 94. A mudança de ânimo, contudo, tende a ser brusca e devastadora.
Em parte, a crença ingênua dos mercados é reforçada pelo "espírito de manada" que existe também na mídia. É mais seguro seguir a "sabedoria" do momento: se der errado, muda-se de sabedoria.
É bom lembrar que, até meados dos anos 80, os economistas que falavam em componentes heterodoxos na estabilização eram ridicularizados. Michael Bruno, pai do ajuste hetero-ortodoxo de Israel (com congelamento de preços e salários), hoje é a voz econômica maior do Bird.
Sebastián Edwards, principal economista para a América Latina do Bird, comentando o artigo de Dornbusch, argumentou que a oferta de crédito internacional abundante pode adiar o enfrentamento dos problemas e ampliá-los, como aconteceu com o México. Ele concorda que uma desvalorização pode ser eficaz e que a sobrevalorização cambial deve ser evitada. Ou deixando o câmbio flutuar, ou indexando-o à inflação. É o próximo candidato a ser chamado de "cretino" no Brasil.

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