São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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No vácuo do "cyberspace"

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Os funerais de Thimothy Leary, as fotografias de Man Ray, um vídeo com John Lennon transformando-se em Yoko Ono, a manchete do "Corriere della Sera", as imagens do dia da CNN Interativa, o arquivo de fotos do fã-clube de Sharon Stone.
As roupas de Armani, a lista de aparições de Hitchcok em seus próprios filmes, os trabalhos de um sujeito que ironiza Andy Warhol com uma obra chamada "Anti-Warhol".
O corpo em pixels de Naomi Campbell, o censo demográfico brasileiro, documentos desclassificados da CIA, a terra esquadrinhada por satélites.
A campanha para salvar a floresta tropical, "samples" de games para futuro "download", divas de Hollywood, arte suíça, revistas portuguesas, mulheres que fazem sexo por fibra ótica, shopping em Los Angeles, banda de rock underground de Chicago.
Religião, inimigos mortais de Bill Gates, amigos do peito de Cindy Crawford, previsão do tempo, poemas, pesquisa sobre sexo na Itália, modelos de aviões de guerra norte-americanos, jogo com padrões tirados da obra de Mondrian.
A Internet, esse hipermercado eletrônico da fragmentação pós-moderna, é um inesgotável convite à dispersão.
Diante da tela, tudo se materializa e evapora em cliques de mouse e toques de teclas.
Ora estamos em Aspen, Colorado, ora em Brasília, DF, ora em Genebra, Suíça, ora em Munique, Alemanha.
Nessa globalização virtual, não há fronteira, não há território, não há alfândega, não há geografia.
Passa-se de um lado a outro, do próximo ao distante, com o mesmo gesto, com o mesmo tempo, a mesma instantaneidade.
Segundos podem durar séculos nessas operações que nos conduzem a um outro espaço-tempo -a "rede", como se diz.
Ironicamente há endereços, mas não há percursos. Salta-se daqui para ali e dali para aqui, sem que se ultrapasse um intervalo, uma paisagem, nuvem.
É como um mar sem bordas, do qual não se pode dizer que tenha começo ou princípio.
Um mundo flutuando naquele lugar drummondiano onde as palavras estão até que venham a ser chamadas.
Mundo sem ordenação, sem sintaxe, indomável pela cartografia.
Mundo de espíritos, que descem à tela do computador, o médium do fim-do-século, para exibir-se aos homens.
Fora dele estamos nós, que, quando nos conectamos, perdemos imediatamente a identidade.
Somos um "password", um "pop", um pseudônimo, um voyeur voando no vácuo do "cyberspace".
*
Enquanto isso, aqui na vida real, o governo do Estado acena com um rodízio de automóveis para agosto. A causa, justíssima, é reduzir a poluição.
Na prática, vão arrecadar um troco com as multas. Se o negócio é combater poluição, que tal obrigar todos os ônibus a usarem gás, propor lei a sério para uso de catalisadores nos automóveis e investir de verdade em corredores de ônibus elétricos?,

E-mail±mag@folha.com.br

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