São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Vire-se e pague

JANIO DE FREITAS

Em apenas dez dias úteis, o governo de Fernando Henrique Cardoso adotou quatro atitudes contraditórias em relação aos aumentos aplicados pelos planos de saúde e, na mesma batida, divulgou quatro orientações, cada qual oposta à anterior, aos clientes dos planos. Tal como nos aumentos das escolas, dos combustíveis, das passagens de ônibus, dos carros e outros, a última orientação é se virar e pagar.
Diante de aumentos que, além de caracterizarem combinação típica do ilegal cartel, chegaram aos alucinados 800% de que foi acusada uma tal Transmontana, o governo reagiu como faria um governo mesmo. Informou à população que o aumento estava proibido, por incorrer em abuso de poder econômico. Os clientes de planos só deviam pagá-los pelas mensalidades anteriores e, em caso de aumento já pago, exigir a devolução.
A atitude foi definida no Ministério da Justiça, que é incumbido, por intermédio de uma secretaria, dos casos de Direito Econômico. Mas no atual governo essas duas palavras não se sentam na mesma mesa. Se há interesses materiais envolvidos, o assunto é exclusivo do setor econômico do governo, e o Direito que não se meta, mesmo quando adota inicial minúscula.
Menos de 24 horas depois de supor-se governo, o governo voltou atrás. Os planos poderiam aumentar o equivalente à inflação dos últimos 12 meses. Mas os clientes só deveriam pagar aumento de 20% e, ainda assim, depositando-o para posterior decisão. Ainda não foi aí que o governo parou: logo mudou a orientação, retirando o conselho de depósito bancário. Os 20% deviam ser pagos junto com o resto da mensalidade.
E no décimo dia útil vieram, supõe-se que em definitivo, a decisão e a orientação que puseram o selo social do governo na semana trágica: seja ou não de 20% o aumento do seu plano, o cliente que o pague, e pronto. Se não topar "400%, aí apresente denúncia contra a empresa". Ao bispo, deve ser.
A orientação tão fiel à índole social do governo veio do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Bolívar Moura Rocha. O nome do cargo tem uma historinha esclarecedora por si só: era Acompanhamento de Preços, mas, depois de uma gozação aqui, preferiram deixar menos evidente que o secretário (este e seus antecessores), no atual governo, tudo o que faz é sair acompanhando os aumentos, com a simpatia esperável de quem ganha bem para nada.
O comportamento do governo neste caso vem juntar-se aos mencionados lá em cima, e que nem são todas as menções possíveis, na mesma demonstração: quem meter os peitos e fixar os aumentos que quiser, fica com eles. O governo tem regras para regular os preços endoidados. Se não as tem, é porque não as quer. Mas não é preciso dizer por que não as quer, tão cedo se tornaram óbvias as suas alianças.

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