São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Clinton, Mindlin e empresários suicidas

ALOYSIO BIONDI

Há coisa de três anos, o governo dos EUA convocou a indústria automobilística para assinar um acordo. Objetivo: utilizar institutos de pesquisas e "empresas" do governo, inclusive a Nasa, para desenvolvimento de tecnologia junto com as empresas do setor. Por quê? Para desenvolver o "automóvel do ano 2000", capaz de enfrentar concorrentes do Japão e Coréia no mercado mundial.
O que a iniciativa de Clinton mostra? Desmente todas as baboseiras repetidas no Brasil nos últimos quatro anos, dentro da histérica "onda neoliberal". Mostra não ser verdade que o governo, o Estado, não deva tomar iniciativas para "comandar" os rumos da economia. Que não deve planejar metas e traçar objetivos para a sociedade. E desmente que se deve deixar tudo por conta do "mercado", que ele, livre, seria capaz de orientar automaticamente os investimentos das empresas para aquilo que melhor atenda aos interesses do consumidor e da sociedade. O acordo mostra que o Estado tem um papel a desempenhar quando os interesses da nação estão em jogo.
Reagan, dinossauro?
O governo Clinton adotou uma política industrial, de apoio às empresas de seu país, para enfrentar o avanço da globalização -e de concorrentes. Não escancarou seu mercado, a pretexto de "forçar" as empresas locais a aperfeiçoar e modernizar seus produtos. Ao contrário: até hoje, a exportação de carros do Japão para os EUA é limitada por cotas.
Atenção: as cotas existem desde o governo Reagan, que nenhum Mailson, Lara Resende, Serra ou Kandir poderá chamar de "dinossauro".
O Brasil, desde o governo Collor, caminha na direção oposta. Nos últimos anos, a sociedade foi submetida a verdadeira lavagem cerebral, para aceitar o "escancaramento" do mercado como único caminho para a "modernização".
Pelo avesso
O "escancaramento" não foi acompanhado de crédito, apoio tecnológico ou regras para evitar importações desleais (dumping). Resultado: as empresas brasileiras quebram ou são compradas a preço de banana por concorrentes externos.
Foi o que aconteceu com a Metal Leve, do empresário paulista José Mindlin, cuja "quebra" pode ser considerada um caso-símbolo desta fase negra da vida nacional.
Mindlin sempre foi um obcecado com o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Já em meados dos anos 60, sua empresa exportava pistões de motores de avião até para os EUA, onde pontificavam uma Boeing -ou uma Nasa. E há três anos, na mesma época em que Clinton desmentia os basbaques neoliberais, Mindlin procurou ajustar sua empresa ao processo de "globalização".
Mesmo assim, Mindlin e a Metal Leve sucumbiram à "política" do governo FHC. Destruídos pelo "escancaramento"? É mais do que isso: como Clinton, o governo FHC assinou um acordo com a indústria automobilística, não para preservar empregos e desenvolver tecnologia aqui. Ao contrário: dando vantagens incríveis, inclusive "perdão de impostos", para múlti importar autopeças.
Um acordo que é uma verdadeira sentença de morte para a indústria brasileira de autopeças e a tecnologia acumulada.
Durante toda a sua vida, a Metal Leve foi um marco na industrialização do Brasil. Sua "morte" pode ser a reafirmação desse seu papel histórico. Talvez sirva para ressuscitar o instinto de sobrevivência dos empresários nacionais, que vêm aceitando passivamente a política de terra arrasada do governo FHC. Ainda pior: como suicidas, têm emprestado apoio à própria destruição.

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