São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Inversão de expectativas

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

"Um idealista acredita que o curto prazo não conta! Um cínico acredita que o longo prazo não importa. Um realista acredita que o que está sendo feito ou deixado de fazer no curto prazo determina o longo prazo." Sydney Harris, escritor Há dois meses, ficou evidente a deterioração do quadro político institucional nos últimos seis meses. Quais as razões?
Na área econômico-financeira, talvez pudéssemos justificá-la em função da crise que nos afetou meses atrás, com a quebra de dois grandes bancos, que provocou uma mudança de atitude dos formadores de opinião. Os outros números e indicadores que vêm sendo divulgados estão longe de ser negativos, tais como inflação estabilizada e em nível baixo; taxa de juros em queda; situação cambial sob controle e com alta entrada de dólares; reservas cambiais recordes (US$ 60 bilhões); crédito sendo liberado para operações a maiores prazos; estímulo à criação de empregos.
A atividade econômica em geral vem sendo mantida no nível dos últimos meses, com alguns setores industriais continuando a registrar notável crescimento. Ouvem-se comentários externos sobre a questão do "déficit", mas que não chegam a causar sobressaltos para aqueles que analisam sem paixão a nossa situação. A questão cambial continua polemizando com ardentes defensores e críticos implacáveis, mas nada aponta para uma mudança de rumo a curto prazo.
O problema parece residir na lentidão das reformas; privatizações que não vêm ocorrendo no ritmo desejado (amenizadas após o sucesso da Light); tentativas frustradas de discutir agora a questão da reeleição; concessões políticas visando conseguir apoio no Congresso Nacional para aprovação da reforma da Previdência Social; o conflito com os sem-terra no Pará; a problemática (que é mundial) do desemprego, e, principalmente, uma certa impaciência de diferentes segmentos da sociedade com a lentidão dos resultados de uma política social.
Apesar dessas críticas, "O Globo" publicou matéria em 31 de maio que indicava que, desde o início do Plano Real, o número de pobres no Brasil diminuiu em 5 milhões. Esses números baseavam-se em pesquisas do Ipea, levando em consideração os números do IBGE. O número teria caído de 16,339 milhões para 11,327 milhões. Enquanto isso, o rendimento médio da população ocupada subiu de R$ 341 para R$ 423.
Seria o caso de perguntar se surgiu algum novo obstáculo intransponível que não tivesse sido previamente vislumbrado? Honestamente, creio que não!
A razão dos problemas reside, a meu ver, na excessiva confiança que um homem sozinho, no caso o presidente da República, pudesse resolver tudo e depressa. Não levamos em conta que governo não é só o Poder Executivo e sim também o Legislativo e o Judiciário! Perdemos de vista que, por sua complexidade, o projeto das reformas seria necessariamente lento e sujeito a uma série de percalços e peripécias. Em nenhum país do mundo, com a democracia do tipo que temos implementada no país, se consegue fazer reformas com a velocidade que estão defendendo aqui.
Vale aqui lembrar dos ensinamentos de Mao Zedong, que aos 65 anos registrou: "Uma revolução não marcha em linha reta. Ela percorre o caminho que pode, retirando-se diante de forças superiores, avançando onde encontra espaço, atacando quando o inimigo está em retirada ou blefando, e, acima de tudo, é possuidora de enorme paciência."
O que estamos vivendo no Brasil, em termos, é uma verdadeira revolução. Um aspecto curioso, é que passamos anos sem encontrar os mecanismos que nos livrassem de uma inflação endêmica, e nos julgávamos incapazes de termos um mínimo de estabilidade. Agora, alguns defendem que um pouco de inflação faria bem, como se isso pudesse resolver algum problema, e, ao contrário, corremos o risco de acordar a fera!
É fundamental ter uma visão realista das dificuldades, e nos prepararmos para vencer os obstáculos que temos à frente. A sociedade precisa ser constantemente mobilizada para tal objetivo. As lideranças políticas não podem tergiversar! Os interesses do país devem ser colocados à frente dos interesses individuais e corporativos.
No exterior, como nos olham com uma visão de prazos mais longos, não venho observando que tenha havido alteração fundamental na análise de nossa situação. Existe uma maior compreensão, e principalmente respeito, pelo que já conseguimos realizar. Não fazemos mais parte do anedotário, e os investimentos que estão chegando são o melhor testemunho disso. O grande atrativo continua sendo o forte potencial de crescimento do mercado interno de consumo.
Momentos como este que estamos vivendo podem ser positivos, pois nos obrigam a uma maior reflexão e diálogo, que deve redundar em definir metas prioritárias com precisão. Agimos com maior determinação nos momentos de crise.
Tenho indicado que nossos desafios não serão vencidos por uma única geração ou por um único governo! A crítica catastrofista deve ser substituída pela apresentação de caminhos alternativos que nunca são mostrados de forma clara.
Esperamos que os próximos meses possam apresentar uma inversão da expectativa, baseada em fatos palpáveis, pois o processo de reformas continua, e não há espaço para retrocessos.

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