São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comunista acusa fraude na campanha

JAIME SPITZCOVSKY
DO ENVIADO ESPECIAL

A fraude para garantir a vitória de Ieltsin nas eleições já começou. Exemplo disso é a ordem enviada pelo Ministério da Defesa aos soldados para que "mostrem lealdade ao presidente", ou seja, apóiem sua reeleição.
Quem dispara a acusação é o jornalista Viktor Anpilov, 50, um dos dirigentes do Rússia Trabalhadora, um movimento stalinista que conquistou 4% dos votos nas eleições parlamentares de 1995.
Enquanto Ziuganov busca reformar alguns pontos do antigo ideário soviético, Anpilov rejeita a necessidade de mudanças ideológicas na cartilha comunista. Seu movimento é um dos mais radicais do chamado bloco popular-patriótico, que sustenta a candidatura de Ziuganov.

*
Folha - Quem vai ser o próximo presidente da Rússia?
Viktor Anpilov - Eu gostaria que a Rússia não tivesse mais presidentes. Queria que na Rússia houvesse novamente o poder dos trabalhadores, aqueles que ganham honestamente seu pão de cada dia.
Na Rússia, o poder não pode estar concentrado na mão de apenas uma pessoa. Temos um antecedente histórico perigoso, que foi a monarquia. Há uma inclinação a se concentrar poderes demais em uma só pessoa. Gostaria que o último presidente fosse Ziuganov.
Folha - Mas, nos tempos do poder soviético, que o sr. defende, havia concentração de poderes.
Anpilov - Não da maneira como descrevi. Devo dizer que os sovietes (conselhos) locais, os comitês partidários tinham poder real em suas mãos, e o poder chegava até o coletivo dos trabalhadores.
Talvez não chegasse no grau desejável, mas chegava. O problema é levar mais poder ao coletivo dos trabalhadores, a suas organizações, que hoje não têm nenhum poder. Existem fábricas que não pagam seus trabalhadores há quatro meses. Ninguém protesta.
Se formos comparar com os tempos soviéticos, basta lembrar os comitês de rua, que decidiam sobre o que fazer com recursos locais, multas, se deviam plantar árvores ou não. O poder estava muito mais próximo da população.
Folha - Hoje há democracia na Rússia?
Anpilov - O que ocorre hoje tem fortes tintas de totalitarismo. Minha filha recebeu uma carta de Iuri Lujkov (prefeito de Moscou e candidato à reeleição), pedindo que votasse nele e em Ieltsin. Minha filha vai votar pela primeira vez.
Isso quer dizer que eles já têm um banco de dados, levantando informações sobre a população por meio de concursos, loterias, coisas que exigem inscrição e fornecimento de dados como endereço e idade. Sabem tudo, literalmente tudo, sobre as pessoas.
Folha - Mas não era assim com a desaparecida KGB?
Anpilov - Não. Veja, outro dia eu discuti com (Vladimir) Jirinovski num programa de TV. Ele dizia que os comunistas controlavam com quem você ia dormir, se era com prostituta ou não. Isso nunca existiu. Eu estudei na Universidade de Moscou, e o amor era livre. Não existia controle de saber com quem, onde e como.
Folha - O que representa para Rússia uma vitória de Ieltsin?
Anpilov - Seria a colonização definitiva do país. Em países como Brasil, Argentina e México, já há uma imunidade contra o Fundo Monetário Internacional. A Rússia não tem tal imunidade. Ainda podemos entregar nossos recursos, nossa força de trabalho.
Se Ieltsin ficar no poder, a Rússia não tem futuro. Continuará a aumentar a pobreza. Não haverá uma política previsível para questões internas ou externas.
Folha - Há rumores de que seus militantes teriam planos para promover distúrbios, como protestos com violência, no caso de vitória de Ieltsin.
Anpilov - Não preparamos nada disso. Vamos continuar nossa luta, depois da eleição, sob o slogan "pela restauração do poder soviético". O resultado das eleições, é claro, influencia nossa luta. Se o vencedor for Ziuganov, vamos primeiro avaliar sua política, ver como e para onde ele vai.
Mas vamos continuar nos esforçando para que o poder passe para as mãos dos trabalhadores.
Folha - Então não vai haver turbulência.
Anpilov - Bem, pode haver problemas se houver fraude, fraude em grande escala. Se o Ieltsin fizer isso, a população por iniciativa própria vai protestar. Não vai depender de nós.
Folha - O governo pode promover fraude nas eleições?
Anpilov - A fraude já começou. Veja o que o presidente faz por sua candidatura. Usa toda a máquina do governo para promover uma histeria anticomunista. A lei não permite que pessoas se aproveitem de sua posição no governo para ajudar campanha eleitoral. O que faz o premiê Viktor Tchernomirdin? Ele dá aulas de anticomunismo em reunião de gabinete.
Dinheiro que Ieltsin recebeu do exterior, por canais como o Fundo Monetário Internacional, é usado na campanha.
Assim, enganam a comunidade internacional e o FMI, que esperam que os recursos sejam usados para recuperar a economia da Rússia. Veja os cartazes de Ieltsin pela cidade. Foram impressos na Finlândia, assim como jornais coloridos, de alta qualidade.
A fraude também ocorre no Exército. O ministro da Defesa, Pavel Gratchev, deu ordem aos soldados para mostrarem sua lealdade ao presidente nas eleições. E, mais importante, deram ordem aos soldados para que escrevessem carta a seus pais, pedindo voto a Ieltsin. Isso não é fraude? Fazem isso porque o bloco de esquerda, das forças populares e patrióticas, tem chances reais de vitória.
Folha - Pode haver guerra civil?
Anpilov - Não. Justamente porque passamos 70 anos sob poder soviético. Ele nos educou a respeitar a vida e o trabalho, como valor principal.
Hoje o respeito ao trabalho quase não existe, se admite roubar, enganar. Bem, voltando ao poder soviético, ele nos ensinou a respeitar a paz. Geneticamente existe em nós uma barreira contra guerra. Quando dizem que nós queremos guerra civil, é uma ilusão, pura propaganda.
Folha - Ao defender o extinto sistema soviético, o sr. não teme estar remando contra a maré da história?
Anpilov - A história se desenvolve com idas e vindas. Ela não começou ontem e não vai acabar amanhã. Se estivesse contra a correnteza da história, a humanidade não pensaria em Cristo, que pregou a igualdade entre os homens.
Se eu estivesse contra a correnteza da história, não haveria o levante dos camponeses mexicanos em Chiapas (referência ao movimento rebelde do sul mexicano Exército Zapatista de Libertação Nacional, que atua no sul do México).

Texto Anterior: Seguiremos em frente
Próximo Texto: Rainha passará tarefas a Charles, diz jornal; Aumenta consumo de heroína nos EUA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.