São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VOTO + MEDO = DEMAGOGIA

Já se disse que a democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros. O resultado da assertiva é um desafio permanente para torná-la "menos pior".
Esse desafio deve ser enfrentado pela sociedade, muitas vezes contra o Estado e as instituições, dada a tendência, mesmo nas democracias, à cristalização de privilégios, enrijecimento de leis e encastelamento de grupos de interesse. A democracia é dinâmica, mas convive com uma inércia de normas e instituições.
O voto é a arma da mudança. Mas como promover a mudança se os eleitores estão dominados pelo medo e pelo medo da própria mudança?
Parece ser o caso em várias eleições importantes que se desenrolam em 1996. Em Israel, o medo da paz levou os eleitores a apostarem mais na segurança. Em vários países, como Turquia, Índia e Japão, aumenta o peso político de partidos ou facções tradicionalistas, religiosas ou étnicas. Em vários casos há um componente de insegurança fundamental, uma combinação perversa de incerteza econômica e ceticismo político.
Talvez os dois casos mais emblemáticos dessas dificuldades sejam a Rússia e os EUA. Na Rússia, os eleitores se dividem entre Ieltsin, ruim, mas conhecido, e Ziuganov, ruim também, mas evocando um passado de supostas glórias com segurança.
Nos Estados Unidos, a guinada ultra-republicana do democrata Clinton é notória. Desde que os eleitores colocaram uma maioria oposicionista no Congresso, o presidente dos EUA vem incorporando a plataforma republicana. Aspecto essencial é o apelo aos valores familiares e comunitários, indo do apoio à censura na Internet à defesa do toque de recolher para menores de idade. Tudo isso num clima sem precedentes de insegurança sobretudo da classe média quanto ao futuro dos seus empregos.
A equação que define as democracias atuais parece bastante simples: voto + medo = demagogia. Encontrar a forma de destrinchar esse nó é que não parece nada fácil.

Texto Anterior: NO PÁREO PAULISTANO
Próximo Texto: MIL CANAIS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.