São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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Importante demais

JOSUÉ MACHADO

Sábio, mas distraído, o articulista escreveu o seguinte: "...parece ser tão ou mais importante do que qualquer dado objetivo."
Nessa frase, ele misturou duas formas de comparativo: o de igualdade -tanto como, tanto quanto, tão como, tão quando, tão quão- e o de superioridade -mais do que (ou mais que). Não fica bem, embora a mensagem tenha sido transmitida. Alguns especialistas acham até que essa mistura faz parte da vida, o-que-se-há-de-fazer.
Pode-se escrever a frase sem afligir a estrutura da língua da seguinte forma: "...parece ser tão importante quanto qualquer dado objetivo ou mais."
Nesses casos é óbvio que a estrutura comparativa de igualdade aparece intata como a honra dos rapazes que cuidam de nossos interesses em Brasília. E os termos da comparação de superioridade ficam subentendidos ("...importante que qualquer dado objetivo"). Outro exemplo:
"FHC é tão dinâmico quanto foi Collor ou mais."
Também se pode escrever assim a frase sem incomodar gente chata: "... parece ser no mínimo (pelo menos) tão importante quanto qualquer dado objetivo."
Quer dizer, sem atropelar as estruturas comparativas tradicionais, estabelece-se a comparação, dando ao mesmo tempo a entender que a coisa comparada pode ser superior. Talvez excelente. Quiçá soberba:
"FHC é no mínimo (pelo menos) tão bom presidente quanto foi Collor."
Sim. Sim. Linhas abaixo, escreveu mais o articulista:
"Até aí nada demais."
Seria bom lembrar que existem duas formas com o mesmo som -demais e de mais-, mas com sentido diferente. Nada que faça ninguém sofrer.
"Demais", com as duas sílabas unidas, na mesma cama como um casal feliz, em geral indica intensidade e significa muito, em excesso, demasiadamente (advérbio):
"Amei demais ontem."
"Você exige demais."
"O poder é prejudicial demais."
Pode significar também o restante (pronome) e os restantes, os outros (adjetivo):
"Hoje fiz o que pude; quanto ao demais, fica para amanhã."
"Os demais picaretas continuam lá, traficando o poder."
Raramente funciona como conjunção, com sentido aproximado de "além disso"; coisa para o padre Vieira e o deputado Roberto Campos:
"Falou muito; demais, falou o que não devia."
"Amou muito; demais, amou quem não devia."
Quanto a "de mais", as sílabas divorciadas em locução adjetiva, indica quantidade. Significa "a mais", em oposição a "de menos":
"Mandei flores de mais e fiz carinhos de menos."
"Nunca recebeu nada de mais de ninguém."
"O presidente não disse nada de mais quando revelou seus estreitos vínculos com o bom Deus; já se desconfiava."
Conclui-se, portanto, que o articulista deveria ter separado as sílabas:
"Até aí nada de mais."
Claro que essa é uma questão irrelevante e algo sutil, mas não será nada de mais falar de amenidades para não sofrer demais com as dores do mundo.

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