São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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Tragédia e solidariedade

O shopping passou por todas as fiscalizações da prefeitura

CELSO GIGLIO

Tragédia. É a melhor palavra para descrever o que representou a explosão seguida de desmoronamento do Osasco Plaza Shopping. A morte e o drama das famílias comove, entristece, dói. Como médico, já passei por muita coisa na vida. Mas nada parecido com aquela terça-feira.
Estava em meu gabinete quando soube da notícia. As informações ainda eram incompletas. Dirigi-me imediatamente para o local, em um carro da Polícia Militar. Ao redor do shopping, pessoas aflitas procurando por amigos e familiares. Ali, eu percebi a gravidade do acidente.
O que se assistiu em Osasco, depois da explosão, foi uma lição de solidariedade. Aquele quarteirão, em seu momento mais sombrio, foi cercado de gente disposta a ajudar. Profissionais como bombeiros, policiais, soldados do Exército e médicos se misturavam com populares, que equipados com frágeis luvas de borracha procuravam sobreviventes em meio aos escombros.
A Guarda Mirim da cidade, com suas crianças de 12, 13 anos, desviava o trânsito e se esforçava para conter os curiosos. Aquelas crianças, no momento da dificuldade, se encheram da autoridade de quem se sabe útil e deram ordens. Eu vi: essas crianças eram respeitadas por todos.
Cidades vizinhas enviaram ambulâncias. Em pouco tempo, helicópteros sobrevoavam a cidade, à disposição para transportar os feridos. Doadores de sangue faziam filas nos hospitais. O governador do Estado e o presidente da República se solidarizaram e ofereceram a infra-estrutura necessária.
A prefeitura fez o que pôde. Convocamos os médicos do serviço público. Toda a Guarda Municipal foi para o shopping. Tratores que realizavam obras pela cidade ajudaram a remover as lajes, à procura de sobreviventes. A Defesa Civil mostrou sua coragem. Enfim, todos ajudaram. E que fique bem claro: o shopping, novíssimo, passou por todas as fiscalizações da prefeitura e estava rigorosamente de acordo com a legislação municipal.
Ainda não sei as causas da tragédia. Mas sei que, no Brasil, acidentes como o de Osasco ficam por isso mesmo. Quarteirões explodem pelos ares, e ninguém é punido. Barcos superlotados afundam no final do ano e não se fala mais no assunto. O vazamento de petróleo incendeia a casa dos moradores humildes de Cubatão e culpa-se a fatalidade. Torcedores despencam pelas arquibancadas podres de um estádio de futebol e lembramos das mortes só até o próximo gol.
Quero dar o pontapé inicial para mudar esse estado de coisa. O que aconteceu na minha cidade é fruto da irresponsabilidade de alguém -e eu vou encontrar esse alguém. Estou criando uma comissão para acompanhar os trabalhos de esclarecimento do acidente, integrada por secretários municipais, vereadores e membros de entidades de classe -e vou presidi-la pessoalmente. Ao lado das investigações de rotina, estaremos também trabalhando para que acidentes como esse não se repitam em Osasco. Nem em lugar nenhum.
Lendo os jornais na quarta-feira, deti-me numa matéria cujo título era: "Um acidente comum -vazamentos de gás provocam destruição e mortes". Mas como? Qualquer acontecimento que provoca 40 mortes não é algo "comum". Ou paramos de banalizar a tragédia e procuramos sem trégua os culpados pelas mortes e pelo sofrimento, ou não faz sentido ser autoridade nesse país.

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