São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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A "troika" de Gogol

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Já estava com o visto no passaporte para ir a Moscou cobrir a eleição russa de ontem. Uma semana antes, meu contato principal de lá, o jornalista Vadim Poliakovski, que durante anos foi o correspondente do "Pravda" no Brasil, me garantiu que haveria um segundo turno e só então seria decidido o destino da Rússia -nos próximos anos.
Escrevo na incerteza dos resultados, mas acho que Vadim tem razão. Ou melhor: não tem razão alguma. Uma eleição não muda a vocação de um povo, sobretudo de um povo complicado (aliás, complicadíssimo) como o russo. Em 1976, fui cobrir as eleições italianas, as pesquisas davam empate técnico entre democratas-cristãos e comunistas, a diferença de 2% indicava a vitória do maior partido comunista do Ocidente, na época dirigido por Enrico Berlinguer.
A imprensa mundial procurava imaginar o que seria a Itália, país-membro da Otan, dirigida por comunistas, ou melhor, por eurocomunistas. Entrevistei Berlinguer na sede do PCI da Via delle Botteghe Oscure. Com aquela cara entediada de George Raft, ele me garantiu que "nada e ninguém mudariam a vocação histórica e sentimental da Itália".
O italiano continuaria italiano, qualquer que fosse o regime. O mesmo se pode dizer agora: o russo continuará sendo o russo, independente da estrutura que os políticos tentarem impor para ele.
Basicamente: um povo que nunca se habituará à democracia, pelo menos tal como a conhecemos no Ocidente. A figura do "paizinho", seja ele o czar ou Stalin, é indispensável para que a "troika" -na famosa imagem de Gogol- continue tilitando seus sininhos, um pouco alegremente, um pouco perdidamente, na desolada estepe que já não é Europa nem chega a ser Ásia. É apenas a Rússia dos russos, a Santa Rússia cujo chão nunca foi conquistado pelo invasor, cuja alma nunca foi entendida por quem não é russo.

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