São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996 |
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O milagre do Fernando
DARCY RIBEIRO Os tecnocratas bisonhos de Fernando Henrique Cardoso estão certos que deram no alvo e encontraram o caminho de tirar o Brasil da pobreza. Se a economia fosse ciência séria, deveríamos admitir que eles são os economistas verdadeiros, científicos.Os outros todos que duvidam de suas diretrizes seriam pré-científicos. Ou simples tolos, como nós, gente comum que quer, com bom senso e experiência, entender o que está sucedendo e para onde nos levará esse caminho. Eles alcançaram, de fato, alguns alvos assinaláveis. Primeiro que tudo, conter a inflação e mantê-la domesticada em quase todos os setores. Conseguiram, também, em decorrência do controle da inflação, acabar com o mal maior da economia brasileira, que era a correção monetária. Conseguiram, ainda, a façanha de dar uma moeda ao Brasil, o real, como é indispensável para qualquer país sério. Tudo bem, palmas. Mas a dúvida que me assalta é sobre o preço que estamos pagando por essas conquistas indispensáveis e inadiáveis. Fernando Henrique, nosso principal teórico das teorias do desenvolvimento, sabe o que está fazendo. Mas a maioria de nós, brasileiros pensantes e críticos, duvida. É preciso manter R$ 60 bilhões de dinheiros nossos ou emprestados em bancos suíços, que pagam juros irrisórios? Tudo isso é mesmo necessário para garantir a irrealidade do real até que ele se torne efetivamente real? A desenfreada investida de imensos capitais estrangeiros, que entram e saem do país livremente só para especular com ganhos de até 50%, não equivale, como perda de substância econômica, ao que era a correção monetária? Os lucros que alcançam não estão agravando a dívida interna, hoje pior e mais perversa que a externa? A economia brasileira está freada pelos tecnocratas, que só têm olhos para socorrer os banqueiros com doações bilionárias de recursos públicos. Na sua fúria privatizadora, até incentivam o desemprego em massa nas empresas leiloadas. Agravam, assim, terrivelmente, a crise pior que Fernando Henrique teve e tem de enfrentar. Refiro-me ao domínio avassalador do capital sobre o trabalho, do rico sobre o pobre e à degradação consequente dos salários, que se já eram miseráveis, tornaram-se mesquinhos. Um milico, uma professora ou um funcionário ganham, hoje, três vezes menos em poder de compra do salário que recebiam há 30 anos. A deterioração do salário mínimo e de seus discretos múltiplos que pagam ao operário especializado foi ainda mais grave. A imensa massa de trabalhadores servis, que cozinhava, lavava, varria e carregava carga, passou a receber uma parcela ainda menor da que ganhava. Generalizou-se, desse modo, a fome, a prostituição infantil e a delinquência. Vendo esse panorama de contrastes medonhos entre a euforia dos ganhadores de dinheiro e a tristeza do povo trabalhador, me pergunto se a mágica de FHC dará certo. Desejaria muito que sim e a curto prazo, para que encontre o povo ainda vivo para fruir do "milagre henricano". Temo muito que não. Os tecnocratas doutrinários podem estar afundando o Brasil. Texto Anterior: A "troika" de Gogol Próximo Texto: O devido processo legal Índice |
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