São Paulo, terça-feira, 18 de junho de 1996
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"Dois pesos, duas medidas"

LUÍS PAULO ROSENBERG

O presidente frequentemente ataca os inimigos do Real, responsabilizando-os pelas dificuldades enfrentadas pelo programa de estabilização.
Comete grande injustiça. Não com os detratores do plano, mas com sua equipe econômica -estes, sim, os verdadeiros carrascos do Real. Não por sabotagem ou vilania, entenda-se logo. Mas por descrença na teoria econômica ou na consistência do Plano Real.
Rememoremos as várias ocasiões em que a equipe duvidou da força e da lógica do plano. Lá na origem, não tivesse o ministro Ricupero batido na mesa e exigido a implantação do plano em junho, teríamos rodado com a URV sabe-se lá por quantos meses mais.
Depois, veio a baixaria de reforçar a âncora cambial com uma valorização do real de quase 20%, como se não acreditassem que a simples manutenção do câmbio no seu patamar inicial seria suficiente para garantir a imutabilidade dos preços dos bens expostos ao comércio internacional.
Claro, para não falar dos psicóticos que praticam juros defensivos, várias vezes superiores aos internacionais, para garantir que o plano dará certo.
Ora, se o plano é bom e sua base teórica é a abertura da economia, o fomento da competição e o encolhimento do gasto público, por que não alinhar todos os preços aos internacionais, principalmente os juros? Deixemo-los de lado, esses incrédulos contumazes da lógica econômica.
Nem percamos tempo com os responsáveis pelo fato de o gasto público federal ter dobrado desde que FHC virou ministro da Fazenda. Ou com os que implantaram uma política cepalino-mongolóide de defesa das montadoras instaladas no Brasil. Esses não têm um problema de descrença na teoria econômica, e sim ignorância dela.
Vamos lembrar apenas a última vacilada da equipe: a contradição entre a política de preços públicos e o ilusionismo praticado na questão dos planos de saúde.
Mandaria o bom senso que preços e tarifas públicos dessem o exemplo de que a era da indexação está enterrada: a ninguém é dado pensar que pressões de custos do passado possam, automaticamente, tornar-se repasses aos preços.
Pois bem, em vez de exigir de suas estatais que ganhem produtividade -pelo menos na mesma proporção em que o setor privado está conseguindo-, o governo recupera tarifas públicas como se fosse um instrumento de arrecadação tributária disfarçado.
Pior: autoriza reajustes brutais, como foi o recente aumento do preço da gasolina, a pretexto de salvar o Proálcool. Ou se acomoda aos interesses menores de prefeitos da situação e da oposição, que elevaram as tarifas de transportes coletivos em mais de 20%, a despeito do aumento no número de passageiros transportados por todas as companhias.
Pedágios, taxas, emolumentos, tudo sobe com base na inflação passada, confiscando poder aquisitivo da população e agredindo a essência do plano.
Mas, como o resultado final é mais dinheiro nas mãos do setor público, nenhum chapa-branca abre o bico para denunciar o estelionato contra a lógica do Real, que a sociedade aceita passivamente, hipnotizada, ainda, por décadas de convívio com indexação de preços.
Já a postura governamental perante o reajuste das mensalidades dos planos de saúde beira o ridículo. Desde que se esboçava o Plano Real sabia-se que os serviços, de uma forma geral, teriam aumentos de preços superiores à média, porque a âncora cambial pode fazer muito pouco pela manutenção de preços do que não é transacionado com o exterior.
Os planos de saúde, em particular, tinham reserva de mercado, pois estava proibida a entrada de empresas multinacionais no setor. Logo, o racional teria sido, há dois anos, fomentar a vinda de concorrentes aos carrapatos locais que se espojavam nos seus chiqueirinhos.
Nada se fez e, quando os reajustes disparam, o governo defende-se exigindo justificativas para os aumentos; ameaça impor congelamento, aplicar índice, prender e arrebentar.
Outra vez o ilusionismo: não existem mais CIP, Sunab, planilhas nem corrupção para aprovar reajustes. O Real não depende desses artifícios para segurar a inflação; basta fomentar o arranca-rabo entre empresários e coibir a formação de cartel.
Mas, na hora em que a indignação do eleitor é escancarada nas manchetes, em vez de fazer a autocrítica por ter provocado a inflação com preços públicos e juros inexplicáveis, é bem mais fácil restaurar a caça às bruxas -demagogicamente simulando tabelar o intabelável e relembrando a perseguição aos bois no Cruzado, quando a vaca já tinha ido para o brejo.

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