São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 1996
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Mania de fracassar

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Já não somos a Belíndia, aquela mistura de uma rica Bélgica cercada de Índias miseráveis por todos os lados.
Agora, somos o quê? Talvez uma Belpolíndia, uma mistura da velha rica Bélgica, cercada pelas velhas Índias miseráveis e também por, digamos, uma Polônia remediada no meio do sanduíche.
Progredimos? Só na nova logomarca. No mais, continuamos a ser a mesma porcaria de sempre.
Antes, dizia-se que a ditadura concentrava renda (além de prender, torturar, matar e exilar seres humanos). Viu-se, depois, que a democracia não distribuiu a renda que a ditadura concentrou ainda mais.
Por fim, descobre-se que as maravilhas redistributivas atribuídas ao Plano Real não passam pelo crivo sequer de uma organização governamental, o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), co-autor do RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano), divulgado anteontem.
Surpresa? Não para quem leu a instigante análise do prof. Wanderley Guilherme dos Santos (Iuperj), resumida neste espaço no dia 28 de março passado e reproduzida agora:
"Pela estabilidade da moeda, é possível alterar para melhor o padrão de vida dos assalariados, sem qualquer política visando especificamente a alterar o perfil da distribuição de renda", escrevia Wanderley.
Acrescentava: "O limite dessa política é claro. (...) Quando a inflação estabilizar-se em torno de zero, não haverá mais saltos no poder de compra", o que significa dizer que "a inflação zero, no Brasil, obrigará a uma opção entre a sobrevivência estavelmente banal da maioria da população e a intervenção no perfil da distribuição de renda".
Talvez o professor do Iuperj tenha entrado na lista dos "fracassomaníacos" deste governo. Pena. Se gente assim fosse mais ouvida, talvez o país algum dia saísse da mania de fracassar nesse quesito, década após década.

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