São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
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A economia perde sem as medidas provisórias

MAILSON DA NÓBREGA

No Congresso, há três posições sobre as medidas provisórias. A mais radical propõe sua extinção; a menos radical defende restrições que, na prática, corresponderiam ao seu desaparecimento; a moderada quer disciplinar o seu uso pelo Executivo.
As idéias radicais são desejadas pelos que pensam que o atual Congresso tem condições de decidir segundo as necessidades do país.
As menos radicais buscam fixar restrições, como, por exemplo, um limite para as reedições. Uma vez que não há estrutura para votar no tempo requerido, isso significaria derrubar todas as medidas por decurso de prazo.
A saída moderada é do ex-presidente José Sarney. Segundo a Folha (14/6/96), ele sugere que as medidas provisórias sejam usadas apenas nos casos de "finanças públicas, meio ambiente, defesa civil, segurança do Estado, calamidade e ordem interna".
Como poucos, o ex-presidente sabe o que seria governar na atualidade brasileira sem um instrumento com força de lei no momento de sua edição. É assim também em países avançados, como se verá abaixo.
A extinção do instrumento -formalmente ou na prática- se justificaria se houvesse baixa necessidade de mudança legislativa ou se fosse elevada a eficiência decisória do Congresso.
O Brasil precisa de muitas leis. Estamos ao mesmo tempo em transição do intervencionismo burocrático para a descentralização e em processo de cura da inflação.
A reforma do Estado, a estabilização econômica e a construção do novo modelo constituem um conjunto ciclópico de mudanças, que requer decisões complexas, frequentes, relevantes e, não raramente, urgentes.
O Congresso não está aparelhado para responder pronta e eficientemente aos desafios dessa realidade, em face da organização atual do sistema político e do regimento.
A fragmentação é excessiva: 18 partidos no Congresso. Sem fidelidade partidária, a fragmentação se amplia por meio de mais de 20 grupos de interesse, as chamadas bancadas, algumas mais importantes do que os próprios partidos.
O regimento concede poder excessivo às minorias. No Brasil, a proteção das minorias nada tem a ver com a dos países onde existem clivagens de natureza étnica, linguística ou religiosa.
Aqui, a inexistência de tais clivagens justificaria menor rigor nessa proteção. Ao contrário, fomos além, garantindo aos grupos minoritários o direito de obstruir as decisões, em detrimento dos interesses majoritários da sociedade.
A resistência política às medidas provisórias tem origem no equivocado entendimento de que seu antecessor, o decreto-lei, era autoritário. A confusão nasce do fato de o decreto-lei ter existido apenas durante a ditadura de Vargas e no regime militar.
O decreto-lei não é criação do direito brasileiro, como demonstrou em memoráveis pareceres o dr. Cid Heráclito de Queiróz, por muitos anos procurador e titular da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Segundo ele, o decreto-lei ou instrumentos semelhantes são previstos nas constituições de inúmeros países. Exemplos: Alemanha, Áustria, Espanha, França, Grécia, Itália, Suécia, Portugal.
Portanto, mesmo em sociedades maduras, é preciso decidir instantaneamente sobre certa matérias.
Nos EUA, onde não existem esses instrumentos, em caso de urgência uma comissão especial do Congresso pode decidir em 24 horas, em nome do plenário.
Para disciplinar o uso das medidas provisórias, o melhor ponto de partida é a proposta Sarney, que contém ainda outro aspecto sensato: devolver ao Executivo a decisão por decreto em certas matérias, como no caso de sua organização administrativa.
Muitas medidas provisórias teriam sido desnecessárias caso a Constituição de 1988 não tivesse levado ao exagero a eliminação de poderes do Executivo, muitas vezes sob a visão maniqueísta de que tudo era mau no regime militar.
Governar o país neste momento sem as medidas provisórias seria submeter decisões relevantes e urgentes -que são muitas- ao ritmo moroso do atual processo legislativo. A economia e a sociedade correriam sérios riscos.

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