São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
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O custo imposto ao Brasil

MAX SCHRAPPE

Prestes a completar dois anos, o Plano Real ainda tem a sua perenização ameaçada pelos desequilíbrios estruturais. De um lado, o Estado não realizou os ajustes possíveis no contexto da Constituição vigente; de outro, a reforma da Carta, que ofereceria ao país o arcabouço legal necessário à retomada do crescimento auto-sustentado, caminha a passos lerdos no Legislativo.
Na ausência de medidas efetivas para a redução do déficit público e desoneração fiscal das atividades produtivas, mantêm-se a âncora cambial e os juros altos como ferramentas artificiais de controle da inflação, com reflexos negativos, visíveis a olho nu nos índices de desemprego, inadimplência, falências e concordatas.
O ajuste fiscal -previsto na concepção original do plano de estabilização econômica- sequer foi iniciado. Mais grave do que isso é o fato de as contas públicas, depois de um pequeno superávit operacional em 1994, terem sofrido fulminante deterioração em 1995, com déficit de 5% do PIB.
Levado em conta o aumento da carga tributária no ano passado, pode-se concluir que o setor público ampliou seus gastos, em apenas um exercício, na ordem de 10% do PIB, o que, traduzido em valores nominais, representa a bagatela de R$ 67 bilhões.
Nesse contexto, obviamente, faltam recursos até mesmo para o atendimento a setores essenciais, como a saúde. Então, repetindo-se vícios históricos, propõe-se a recriação do imposto do cheque.
O sistema tributário brasileiro é fruto do hábito compulsivo de se criar impostos como solução simplista para cobrir o custeio de um Estado oneroso para a sociedade e desvirtuado de suas vocações precípuas.
No entanto, essa cultura tributária jamais apresentou resultados positivos. Afinal, persiste o desequilíbrio fiscal e o Estado continua sem dinheiro para cumprir de forma eficiente seus compromissos com a saúde, a educação, a seguridade social, o desenvolvimento da infra-estrutura e a segurança pública.
Torna-se urgente a adoção de medidas efetivas. Cabe ao Executivo realizar os ajustes não-condicionados às reformas constitucionais, como a agilização das privatizações, o controle de gastos da administração direta e indireta e o ordenamento das atribuições e recursos pertinentes a cada uma das esferas de governo -municipal, estadual e federal.
Esta última providência é imprescindível para se evitar o desperdício de recursos representado pela superposição de programas e dispersão de esforços. A saúde, para a qual se pretende criar novo imposto, é o melhor exemplo.
A Constituição de 1988 prevê a estruturação do Sistema Único de Saúde, destinado à organização do setor. Entretanto, o projeto não se configurou como determina a Carta. Seus recursos não são otimizados, e a população continua sendo mal-atendida.
Ao Legislativo cabe cumprir o compromisso inalienável com a nação, de concluir a reforma constitucional e, imediatamente após a promulgação da última emenda, iniciar a votação das leis complementares regulamentadoras da revisão. Cabe aqui um alerta: numerosos artigos da Carta de 1988 e as emendas da revisão aprovadas em 1995 ainda não entraram em vigor por falta de regulamentação.
Entre as reformas em curso, as mais prementes são a tributária e a do Estado (esta representada pelas emendas relativas à administração pública e à Previdência Social).
No que diz respeito especificamente ao sistema tributário brasileiro, é importante ressaltar algumas de suas características que não têm paralelo em países que competem com o Brasil, no âmbito do mercado global: impostos em cascata; carga tributária indireta demasiadamente onerosa; a complexidade dos processos arrecadatórios; e a taxação das importações e investimentos.
Trata-se de um sistema que estimula a sonegação e a informalidade econômica. Isso gera outro e grave problema: o ônus fiscal recai sobre um universo reduzido de agentes econômicos. Há poucos pagando muito. Portanto, além de urgente, a reforma tributária deve contemplar a correção dessas distorções.
O custo imposto (e aqui a ambiguidade é proposital) tem ceifado empregos, reduzido salários, inviabilizado investimentos e comprometido a competitividade do parque empresarial brasileiro. A sociedade exige providências, pois entende que, na vigência da democracia, o Estado não pode sobrepor-se à nação.

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